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    Luís Francisco Carvalho Filho

    Guerra dos mundos

    18/11/2017 02h00

    Nas redes sociais um número incalculável de informações erradas é difundido todos os dias por engano ou deliberadamente. Nada pode ser feito para que isso deixe de acontecer.

    Não é de hoje que se trata notícia falsa como ameaça. Boatos, insultos e folhetos anônimos fazem parte da história das comunicações, assim como códigos penais, leis de segurança e estatutos militares idealizados para reprimir "fake news" e outros "abusos" capazes de prejudicar ou ofender. A contrapartida costuma ser o descontrole da espionagem, o confisco de espaços de vida íntima e privada, as perdas de liberdade.

    Mas, a rigor, notícias verdadeiras assombram muito mais: terremotos, furacões, tsunamis, bombardeios, corrupção, a perda de alguém. A simples possibilidade teórica de embaraçar sua circulação, como efeito colateral, torna ilegítima eventual tentativa de censurar falsidades.

    Hillary Clinton não perdeu a eleição presidencial por causa das mentiras dos russos. Aliás, ela teve mais votos que Donald Trump. Os Estados Unidos investigam "trolls" estrangeiros que semeiam furtivamente "discórdia e divisão" -o que, nos remete para tempos do comunismo e de "guerra psicológica adversa".

    Getty Images/BBC-Brasil
    Redes sociais
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    Incomodadas, as autoridades brasileiras prometem agir. Mobilizam especialistas e órgãos de inteligência, inclusive militares, como se estivéssemos na iminência de algo. Ouviram o galo cantar, mas sabem onde?

    Tem eleição em 2018, um round por semana. O que se vê é propaganda tosca para satisfação de amigos e seguidores. Ora se difunde programação falsa do fórum nacional dos direitistas, como se projetassem um país de inspiração nazista, com tortura de presos e escravidão negra, ora se faz a deturpação grosseira de propostas de esquerda, como se elas embutissem planos secretos de "revolução cultural" para extermínio de empresários e jornalistas.

    A transmissão radiofônica de "A Guerra dos Mundos" talvez seja o caso mais desconcertante do insuperável confronto entre verdade e mentira.

    Em outubro de 1938, o jovem Orson Welles (1915-85) se consagraria por assustar um pedaço da América. Do ponto de vista estritamente burocrático, é adaptação teatral, anunciada, de obra preexistente. No entanto, décadas antes de se instalar a rede mundial de computadores, milhares de habitantes de New Jersey sentiriam verdadeiro pânico diante da notícia da invasão de marcianos.

    O confronto não é mais entre terráqueos e extraterrestres, é entre ideologias. Reações antagônicas afetam a cultura, a nudez, o casamento, a alimentação, a saúde, os governos. Mas não bastaria olhar com cuidado crítico o que se alardeia por aí como verdade? Ou ainda são necessários quartéis, soldados e vigilância policial online para controlar a praga da desinformação?

    O sistema de livre concorrência e a diversidade permitem ao espectador checar e desmascarar o que circula nas redes. Seria impensável hoje um acontecimento com a extensão dramática da "guerra dos mundos". E não é porque não se acredita mais em marcianos.

    Nenhum fato verdadeiramente impactante ou incisivo -na natureza, na economia e na política- deixaria de ser publicado pela chamada imprensa burguesa: ainda não se inventou nada melhor. É só conferir.

    luís francisco carvalho filho

    É advogado criminal. Foi presidente da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos instituída pela Lei 9.140/95. Escreve aos sábados,
    a cada duas semanas.

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