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    Luiz Horta

    Calor chinês

    19/06/2016 02h00

    Gabriel Cabral/Folhapress
     São Paulo, SP, Brasil, 15-06-2016: Ambiente da Gordowu Mercearia. R. Conselheiro Furtado, 121 - Liberdade. Coluna Luiz Horta na revista sãopaulo. (foto Gabriel Cabral/Folhapress)
    Ambiente do Gordowu

    Antes o passeio era mais aventuresco. O mercadinho chinês Gordowu era uma loja apertada, entulhada de produtos, sem qualquer pista do que fossem; os poucos atendentes só falavam chinês. Comprei várias coisas guiado pela foto na lata, sem saber se era doce ou sal, mas pelo menos vendo do que se tratava (tem umas lichias em calda de que gosto).

    Agora virou supermercado, ainda pequeno para tanta coisa, corredores abarrotados, mas tem uma plaquinhas e vendedores que falam português. A emoção não mudou, o inesperado acontece.

    Fui procurar coisas para fazer comida de Sechuan, queria a famosa pimenta sechuanesa. Pesquisei bastante antes, meu interesse era a Zanthoxylum simulans (que soa como chinês mas é o nome cientifico latino).

    Dei uma ampla escaneada nas prateleiras, descobri um óleo de gergelim melhor do que o que uso e achei um vidro dos feijões fermentados que também são parte da cozinha de Sechuan (um favorito aqui em casa). Mas não achava a pimenta.

    Não tenho nada contra a comida chinesa delivery, caixinhas com arroz chopsuey e carne acebolada, só que é produto ocidental com vaga influência cantonesa. A cozinha do sudoeste da China me pegou anos atrás, apimentada, muito quente, diferente.

    Fiz o que pude e não teve jeito, tive que falar com a proprietária, coisa que evito pois sei que se seguirá uma peça cômica em um ato e o desfecho é sempre o mesmo: compro no escuro. Levei ao balcão os dois produtos que podiam ser a pimenta: um vidro de óleo temperado e um pacote de bolinhas avermelhadas, secas.

    Perguntei: "são de pimenta de Sechuan"? Ela não entendeu. Repeti em tons, escalas e vozes variadas: "sizuan, setuam, zi-ruan". Nada. Um senhor chinês que esperava na fila me ajudou, lendo o rótulo: "pimenta cheirosa, não queima, faz a comida ficar gostosa".

    Era isto, afinal queria a comida gostosa. Saí com minha sacola de estranhezas. Em casa descobri (olhando ideogramas na internet) que o óleo temperado era o certo e o pacotinho, sementes de Zanthoxylum americanum, quase gêmea da que buscava e que pode ser usada com o mesmo efeito.

    Pimenta sechuan não é pimenta, mas frutinhos de um arbusto, que causam leve adormecimento na língua e uma sensação como de água com gás, aquele pinicar que parece efervescente. Com pimenta forte, do tipo calabresa, mais os feijões fermentados, ficou um molho delicioso para um galeto feito na panela de pressão.

    Os poucos restaurantes sechuaneses que conheço trazem um índice de apimentado dos pratos, de 1 a 3 pimentas do lado do nome, no cardápio. O índice de três pimentas faz até os brutos chorarem (e suarem).

    GORDOWU
    Onde rua Conselheiro Furtado, 121, Liberdade
    Quando seg. a sáb., das 8h30 às 19h30; dom. das 8h30 às 18h30

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    Vinho como bálsamo

    Gabriel Cabral/Folhapress
     São Paulo, SP, Brasil, 15-06-2016: Molho de pimenta do Sichuan na Gordowu Mercearia. R. Conselheiro Furtado, 121 - Liberdade. Coluna Luiz Horta na revista sãopaulo. (foto Gabriel Cabral/Folhapress)
    O óleo de pimenta sechuan

    Dizer qual vinho combina com comida chinesa é o mesmo que escolher um rótulo para a cozinha brasileira: é para feijoada, churrasco ou vatapá? Não existe uma cozinha chinesa, imagina, num país daquele tamanho.

    A tal pimenta produz efeito parecido ao do jambu. Pelo aromático da coisa poderia ser um Gewürztraminer, mas o picante na língua e a vontade de beber um tinto mais refrescante levaram à uva Gamay, que fez bonito. A cepa chilena, País, também é boa escolha. Minha indicação é o Cacique Maravilha Pipeño.

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    O bolinho pegajoso

    Gabriel Cabral/Folhapress
     São Paulo, SP, Brasil, 15-06-2016: Feijão em conserva na Gordowu Mercearia. R. Conselheiro Furtado, 121 - Liberdade. Coluna Luiz Horta na revista sãopaulo. (foto Gabriel Cabral/Folhapress)
    Os feijões fermentados (e pimenta calabresa) para um ótimo molho

    Quando estou na Chinatown paulista (ninguém chama assim, seria mais certo dizer baixa Liberdade) compro zongzi. Inventei que a comida era um PF criativo, encapsulado em folha de bambu ou bananeira. Tem arroz, carne, amendoim, molho; tudo moldado em um cone piramidal, para mastigar em qualquer lugar: almoço portátil.

    Alan Davidson, no "The Oxford Companion to Food", me informa que é uma típica comida de rua, popular como o pastel de feira. Prefiro minha explicação poética. No Gordowu vendem dois, um quente e um frio. Gosto mais do primeiro, que requento em casa como lanche da madrugada.

    *

    VINHOS DA SEMANA
    (1) Morgon Côte du Py 2013 Dominique Piron, Decanter (R$ 165)*.
    (2) Cacique Maravilla Pipeño, Empório Frei Caneca (R$ 99, 1 litro)*.
    (3) Santa Digna Torres Gewürztraminer 2013, Devinum (R$ 60)*.
    (4) Miolo Gamay 2016, no produtor (R$ 36,90)*.

    *valores de referência

    luiz horta

    Viajante crônico e autor dos livros eletrônicos 'As Crônicas Mundanas de Glupt!' e 'Vinhos que cabem no seu bolso'. Escreve aos domingos.

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