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    Luiz Horta

    Teoria geral do piquenique

    03/07/2016 02h00

    Fernando Sciarra/Folhapress
    Piquenique no parque da Aclimação é a sugestão do colunista Luiz Horta
    Piquenique é o ato de comer descompromissadamente, com as mãos, misturando coisas

    Alguém ainda faz piquenique? Eu faço. Esqueça o estereótipo da toalha xadrez, a cesta de vime muito chique com taças de cristal e um campo inglês como cenário. Não é Downton Abbey, é a Aclimação, meu parque de escolha. No parque da Aclimação tem sempre algum acontecendo, num istmo que avançou sobre o lago, perto da concha acústica. Eu favoreço um morrinho do outro lado, debaixo das árvores, suave declive que não prejudica o apoio do material de repasto.

    Fez sol? Corre para o calor, ou saia para comer na sombra. Concordo, notívago, com uma amiga que me contou: "tinha anos que não tomava sol, passei umas horas sob ele, no jardim, e fiquei com azia".

    Mas piquenique é um conceito, não uma forma: refeição portátil que se adapta ao formato que decidirmos. É mais que um sanduíche e menos que um jantar, cabe numa sacola. É uma performance, uma surpresa, não planeje muito, decida e vá. Se chover pode ser na garagem. Se estiver frio pode ser no tapete da sala.

    Piquenique é o ato de comer descompromissadamente, com as mãos, misturando coisas e bebendo vinho aos goles amplos. Não tem parque próximo? Vá numa praça. Ou no salão de festas do prédio, ou na calçada com os vizinhos. Não tem desculpa, é preciso fazer, é uma forma civilizada de existência barata e possível.

    O meu sempre tem sanduíches, de baguete com manteiga, presunto e queijo; de atum com pepininhos em conserva e de pastrami com mostarda escura (enrolados em papel alumínio). Queijo, uma fruta, uma barra de chocolate, algo enlatado.

    O vinho de piquenique é escolha mais delicada, ele precisa ser refrescante, matador de sede e prático. Levo gelado ou num saco de plástico bem firme com pedras de gelo. A tampa de rosca, que muita gente confunde com má qualidade, é a mais adequada: fazer aquele "tlec" com a mão e já ter o vinho aberto. Você faz isto com uma dezena de coisas, procura abertura fácil em latas, em garrafinhas de cerveja. Então para que complicar?

    Beba em copo mesmo, ninguém vai querer quebrar taças sentado na grama. Alguns copos arredondados e sem haste são perfeitos para nosso propósito, além de ficarem firminhos no chão, sem derramar.

    O único instrumento indispensável para o sucesso do piquenique (além da disposição jovial do espírito), seja onde for, é um bom canivete. Tenho um Opinel com 20 anos de idade, já cortou de peras a pedaço de madeira e continua vivo, gasto e arranhado, na minha sacola. Só nos separamos nas viagens de avião. Eleja seu canivete para a vida toda, não empreste, não esqueça, não perca.

    PARQUE DA ACLIMAÇÃO
    Onde: r. Muniz de Souza, 1.119, Aclimação, região central
    Quando: seg. a dom., das 6h às 22h

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    Que tal uma latinha?
    Há sardinhas muito especiais, millésimées (com ano estampado) que, oh surpresa!, envelhecem bem, ganham com um tempo dentro da lata. Mas só trazidas na mala, ninguém importa para o Brasil. Se não quer sardinha há toda uma cultura de latarias maravilhosas. Aqui chegam algumas, é preciso paciência para achar. Escolha das que não precisam de abridor. As ovas de sardinha são excelentes, mais caras; há polvo, mariscos e até lulas em sua tinta, nada de vergonha, compre o que quer comer. Todos os vinhos recomendados vão bem, o Pinot Noir brasileiro é delicado, com o rosé chileno faz a dupla dos mais combináveis.

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    Não esqueça o queijo
    Não sei dizer qual o favorito, talvez todos. Na lista dos meus dez queijos mais queridos figura o reblochon, daqueles que fazem a fama da França pelo aroma. Quando bem maduro, casca quase cor de laranja e o centro escorrendo em cremosidade, é das sensações mais intensas para o paladar, picante, untuoso, potente. Claro que vai melhor com um tinto afetuoso, o C'est la Vie, por exemplo. Aqui mais uma lição de piquenique, arte do improviso: não tendo o vinho certo, tudo bem. E estar em espaço aberto melhora bastante o cheiro, que se desfaz no ambiente. Os que não curtem tanto a presença olfativa imponente podem levar um queijo minas bem curado.

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    Divulgação/Divulgação
    Vinhos indicados por Luiz Horta na coluna "Teoria geral do piquenique"
    Vinhos indicados por Luiz Horta na coluna "Teoria geral do piquenique"

    VINHOS DA SEMANA
    Da esquerda para a direita: Montes Cherub Rosé 2013, Mistral (R$ 111); C'est la Vie 2014 rouge, Winebrands (R$ 93); Real Compañia Garnacha 2014, Empório Santa Maria (R$ 71); Bueno Bellavista Pinot Noir, na empresa (R$ 60)
    (valores de referência)

    luiz horta

    Viajante crônico e autor dos livros eletrônicos 'As Crônicas Mundanas de Glupt!' e 'Vinhos que cabem no seu bolso'. Escreve aos domingos.

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