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    Luiz Horta

    Diferente do industrializado, wasabi 'de verdade' é cinza esverdeado e sutil

    14/08/2016 02h00

    Roberto Seba/Folhapress
    São Paulo, SP, Brasil, 28-07-2016: Restaurante Aizomê - Wasabi - Raiz de Wasabi e Espátula de pele de tubarão (foto Roberto Seba/Folhapress) ***EXCLUSIVO REVISTA***
    Raiz de wasabi e espátula de pele de tubarão

    Há dúvidas que se respondem sozinhas. Não sei se vou virar um ortodoxo dos verdadeiros sabores, espero que não, mas queria saber o que era wasabi há muito tempo. Não que acordasse atormentado pelo assunto, estava ali na caixa de preocupações de teor médio. Então, Telma Shiraishi do restaurante Aizomê recebeu umas poucas raízes de wasabi de presente, perguntou se eu queria provar e fui.

    Tenho permanente curiosidade por todas as delicadezas japonesas, o yuzu (um cítrico asiático venerado na cozinha), o matchá, a busca pela potencialização de sabores com o umami (o famoso "quinto sabor", coisa densa e indescritível do glutamato), o sabor de "nham-nham" que norteia a cozinha do país.

    Achava que aquela pasta verde brilhante que comemos com sashimi e nos faz engasgar, espirrar e, eventualmente, até verter uma lágrima era o máximo possível no tema, o wasabi arquetipal, comprado na Liberdade em embalagens pop multicoloridas. Não, que tonto eu sou.

    Telma riu –orientalmente, de boca fechada– da minha convicção: "Aquilo é mostarda, muita mostarda, bem forte". E exibiu uma raiz meio feinha, acanhada, de um verde cinza pouco atraente. Cheirei, era como terra com algo de nabo.

    Ela ralou com o instrumento apropriado, que já é um momento de espanto: um pedaço de couro de tubarão montado sobre uma espátula, mais duro e "ralante" que qualquer lixa. Lembrei das escamas e da língua do pirarucu, que também são usadas para transformar bastões de guaraná em pó. Serviu um dedal.

    Arde de outra maneira, na ponta da língua, depois lá no fundo, como uma lembrança depois de engolido. No pedantismo do mundo dos vinhos, chamamos de "retrogosto". Não queima, não estupora, nem faz chorar, é sutil e potente, sem artificialismos. O wasabi industrializado é um rojão explosivo, o fresco é uma implosão. Lado a lado, um é verde quase fosforescente e grita; o outro, cinza esverdeado, caladinho, e que diferença!

    Provei com sushi, com sashimi, com sobá e, apoteose total, com fatias finas e grelhadas de wagyu, o bife de Kobe. A má notícia é que talvez nunca haja wasabi fresco plantado aqui (yuzu já conseguiram) –é difícil de encontrar o que ele precisa, em termos de solo e clima. No Japão, é plantado em zonas específicas, em montanhas, com água límpida e temperatura nunca superior a 11 °C.

    Telma tem um pouco, ralado e congelado, para os clientes que queiram conhecer a coisa real. Um dia, talvez, haja wasabi na feira livre, não duvidemos dos esforços humanos na busca de um prazer extra na mesa.

    Roberto Seba/Folhapress
    São Paulo, SP, Brasil, 28-07-2016: Restaurante Aizomê - Wagyu sobre pedras quentes (foto Roberto Seba/Folhapress) ***EXCLUSIVO REVISTA***
    Wagyu sobre pedras quentes do restaurante Aizomê

    AIZOMÊ
    Onde Alameda Fernão Cardim, 39, Jardim Paulista, tel. 3251-5157
    Quando seg. a sex., das 12h às 14h30 e das 18h30 às 23h; sáb., das 18h30 às 23h

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    VINHO E SABORES

    Sou um pouco contra a ideia de que tudo precisa ter um vinho para acompanhar. Existe vinho para tudo, mas não precisa, não é? Acho digno fazer uma refeição japonesa com saquê, que tem nuances deliciosas. Mas também há bons vinhos para combinar. Dou preferência aos brancos com peso na boca e, se possível, com um toque de doçura para se contrapor ao sal, sempre presente na comida. No caso do wasabi, escolhi Rieslings, embora o Marsanne uruguaio tenha seu papel com o wagyu (carne com branco, mas um sólido de uva metaleira). Rieslings costumam ser agridoces, abraçam a língua com respostas para a comida: se ela está adocicada, ele fica acidinho; se está picante, fica macio.

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    RAIZ FORTE É OUTRA COISA
    Do departamento de esclarecimento de confusões da coluna: wasabi não é raiz-forte. Fui checar nos livrões, é da vasta família que inclui até repolhos, nabos e (bingo!) mostarda. Sua picância vem de uma coisa chamada sinigrina, que sob a atuação de enzimas libera aquele cheiro típico de mostarda e enxofre. Eu gosto muito de chrein, pasta de beterraba com raiz-forte, faz parte da comida do leste europeu, fica uma delícia com gefiltefisch, bolinhos judaicos de farinha de matzá com peixe (carpa, quando possível), moldados em formato oval. Arde bastante também, mas do tipo de queimação da mostarda. Vou escrever sobre isto qualquer hora.

    luiz horta

    Viajante crônico e autor dos livros eletrônicos 'As Crônicas Mundanas de Glupt!' e 'Vinhos que cabem no seu bolso'. Escreve aos domingos.

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