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    Luiz Horta

    Francês recria com elegância pato com laranja, prato chique nos anos 1970

    18/09/2016 02h00

    Roberto Seba/Folhapress
    Confit de pato no Chef Rouge: um grande aniversário
    Confit de pato no Chef Rouge: um grande aniversário

    Tanta gente reclama da gourmetização, mas acho que é preciso dar uma rápida lembrada no panorama de 30 anos atrás, visto da mesa: nenhuma carne diferente, uma prateleira acanhada de vinhos, uma oferta constrangedora de produtos. Você lia a receita (num livro, não havia internet, lembra?) e na hora de tentar repetir em casa, nada. Coelho? Codorna? Pato? Só desejo. Fim da sessão nostalgia ao contrário.

    Nesta semana, tive vontade de comer pato, que não só está em todos restaurantes franceses da cidade, como se acha fácil para comprar (tem produzido no Brasil mesmo). Mas temo a sujeira que faço na cozinha quando frito o lado de pele e gordura dos peitos para o confit e o magret. Preguiça mesmo.

    Fui ao Chef Rouge, estava curioso sobre o chef novo, francês, Antoine Patrick Caestecker. Apesar do nome tão alsaciano, ele é corso, como Bonaparte. Quando passou pela mesa, a primeira pergunta que fiz a ele foi: "Como andam os produtos?". Lembrei de dramas passados, chefs que foram embora em desespero, pois não achavam o que queriam. Ele contrariou meu pessimismo, esperava reclamações e ouvi só alegrias. Elogiou muito o pato e o foie gras produzidos aqui, já visitou o produtor, viu como tudo é feito, de modo saudável, com qualidade e passou a usar.

    Comi um menu inteiro de aves: comecei por um pedaço de foie executado com perfeição, apenas salteado e com um figo em compota muito bom para acompanhar. Em seguida o confit de canard, aquela coxa conservada na própria gordura do bicho, que estava delicado, nada pesado, excelente.

    E o ponto alto, já que falamos do passado, um prato chique nos anos 1970 (época que lembra coquetéis de camarão e a afetação de falar "salmón"), um canard a l'orange, o pato com laranja, que ele recria de modo muito elegante, com maciez e molho de pura sutileza. Estive em Paris por umas horas, a viagem mais curta que já fiz, até os Jardins. Bebi um tinto português de que gosto muito, embora ache que tintos em geral, se delicados, funcionam com pato. Vivo pagando a língua, prometo não teorizar sobre combinação entre vinhos e comida, mas é o que sei fazer, discussão sem fim, como aquelas mesas redondas que acontecem depois de cada esporte. Ao lado, dou meus palpites.

    Chef rouge
    Onde: r. Bela Cintra, 2238, Jardins, tel. 3081-7539
    Quando: ter. a qui., das 12h às 15h30 e das 19h às 23h30; sex., das 12h às 15h30 e das 19h à 0h30; sáb., das 12h às 17h e das 19h à 0h30; e dom. das 12h às 17h e das 19h às 22h

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    Pato na lagoa de vinhos

    Não resisti a sugerir dois vinhos dos Patos (a família) -não só pela brincadeira, eles funcionam mesmo. Luís Pato é um dos produtores portugueses mais conhecidos no Brasil, lá na sua Bairrada, centro-norte do país, consegue maravilhas com a uva Baga, que nas suas mãos ganha toques da Borgonha. E a filha, Filipa Pato, que também trabalha por ali consegue vinhos de uma fineza e com toque mineral que nunca decepcionam. Pato é uma carne saborosa, sanguinolenta, com gordura, fica feliz com um vinho mais acidinho, que corta a sede. Eu comi no Chef Rouge no meu aniversário ("palmas, palmas, obrigado") e levei o Quinta da Leda, da Casa Ferreirinha, um dos meus portugueses favoritos -mas é caro e para abrir num dia assim. Penso que um Pinot Noir também iria bem, ou um Rhône macio, caso do mais simples Guigal.

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    Mas qual pato?

    Como deu para ver, eu falei de alguns patos à francesa, como o confit e o peito ao molho de laranja. Este último tem um valor simbólico especial, foi também uma comédia apimentada italiana (com Ugo Tognazzi e Monica Vitti, de 1975) e teve longa vida como peça de teatro. Tudo isso, prato e filme, estava bem esquecido. Como adoro aves, ainda vou voltar ao assunto, o pato ao tucupi, por exemplo, está na minha lista futura, nas minhas investigações sobre cozinha regional. São mais de dois patinhos na lagoa, ainda tem muita ave para comer.

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    Vinhos da semana

    Divulgação

    (1) Guigal Côtes du Rhône, Interfood (R$ 153)
    (2) Luís Pato Baga + Touriga, Mistral (R$ 98)
    (3) Errazuriz Estate Series Pinot Noir, Vinci Vinhos (R$ 78)
    (4) Filipa Pato Baga, casa Flora (R$ 60)

    luiz horta

    Viajante crônico e autor dos livros eletrônicos 'As Crônicas Mundanas de Glupt!' e 'Vinhos que cabem no seu bolso'. Escreve aos domingos.

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