• Colunistas

    Thursday, 02-May-2024 20:14:20 -03
    Luiz Horta

    Com filézão à parmigiana, Da Giovanni tem cardápio similar ao do passado

    30/10/2016 02h00

    Felipe Gabriel/Folhapress
    Filé à parmigiana do restaurante Da Giovani, no centro de São Paulo
    Filé à parmigiana do restaurante Da Giovanni, no centro de São Paulo

    Nunca me esqueci do meu primeiro restaurante em São Paulo. Cheguei numa antiga tarde paulistana, onde ainda era possível se hospedar no Centro profundo e sempre estava garoando. Não conhecia ninguém, mas tinha interesse pela cidade —atraído pelo Masp, que me hipnotizava, vim para a Bienal em 1985 (não tenho certeza do ano, preferi não ter).

    Saí caminhando pelo centro quase vazio, era sábado, entrei numa rua sem saída, vi a plaquinha, li o cardápio colado no vidro e entrei. Estava aquecido, o ambiente era cordial, estreito como um vagão de trem, e me alojaram numa mesa para um. Comi coelho com polenta e bebi meia garrafa de Granja União Cabernet Franc. Gostei de São Paulo, fiquei.

    Repeti o restaurante, o Da Giovanni, muitas e muitas vezes, com fugas para comer rās no Parreirinha, nhoque de frigideira no Il Cacciatore e um chá eventual na Confeitaria Viena, que tinha piano e violino ao vivo, depois de passar para folhear livros na Livraria Francesa ou na Duas Cidades. Quando tinha dinheiro, ia ao Presidente, pelo bacalhau colossal ou ao La Casserole.

    Acho engraçado, não sendo paulistano, ter lembranças desta cidade que nunca foi minha, mas que, por usucapião, adquiri. Aos poucos, delicadamente e sem ruídos, como num poema de Prévert, nos separamos, o Da Giovanni e eu.

    A cidade grande é assim, feita de ilhas onde se leva a vida; aquela já não era a minha e sumi. O Centro passou por seus momentos de descaso e tristeza. De repente, aqui e ali, voltou a brilhar, com lugares como o Dona Onça se somando ao clássico Casserole.

    Voltei agora ao velho restaurante da rua Basílio da Gama. Foi sem querer, um amigo postou uma foto de um lugar que tinha descoberto e virado seu favorito para almoçar na República. Era o Da Giovanni. Vou ou não? Hesitei. A revisita ao que se gostou noutra época, talvez por outras razões, é sempre arriscada.

    O ambiente quase nada mudou, um corredor onde —por milagre— se encaixa todo mundo que quer comer e por onde ziguezagueiam os garçons, prestimosos como antigamente (talvez os mesmos). O cardápio é parecido, um filézão à parmigiana com o kitsch do arroz enformadinho. Ou a bisteca de porco com tutu e couve. Gostoso, para quem não quer afetação.

    Não ousei vinhos, preferi, em casa, abrir garrafas sentimentais, de que falo aí ao lado —vinhos nostálgicos. O resumo é que há uma certa continuidade, uma perenidade, mas envelhecemos e não posso mentir. Nem coelho, nem garoa, nem Granja União; menos ainda, eu. Não estamos mais lá, como canta o Dylan: "I'm not there, I'm gone".

    Felipe Gabriel/Folhapress
    Mesa do restaurante Da Giovanni, na República
    Mesa do restaurante Da Giovanni, na República

    Da Giovanni.
    Onde: rua Basílio da Gama, 113, Centro, tel. 3259-9894.
    Quando: seg. a sex., das 11h às 16h30; sáb. das 11h às 17h.

    *

    Vinhos da semana

    Divulgação

    (1) Casillero del Diablo Reserva R$ 96 (CyT Brasil).
    (2) Aurora Millésime Cabernet Sauvignon R$ 90 (Pão de Açúcar).
    (3) Aurora Pequenas Partilhas Cabernet Franc R$ 65 (Vinhos e Vinhos).
    (4) Periquita R$ 49 (Wine.com.br ).

    * valores de referência

    *

    Vinhos de outra era
    Não existe mais o Granja União, mas neste curto momento saudosista, abri alguns vinhos "de época", um Clos de Nobles Cabernet Franc 1981 (que já tinha perdido toda a vitalidade e só valeu pela curiosidade), um Salton Clássico Gewurztraminer 2000 (que estava bom, vivo e gostoso, apesar de ser vinho pensado para consumo imediato) e o que mais se aproximou daquele que bebi na remota tarde chuvosa de 1985, quando desembarquei por aqui: o Aurora Pequenas Partilhas 2009 Cabernet Franc. É um mistério a razão da Cabernet Franc, uva tão popular no sul, ter virado curiosidade. Naquele tempo, em que as importações inexistiam, era preciso se virar com o que havia, três dezenas de rótulos. O que se bebia mesmo para acompanhar a comida era mesmo um uiscão com gelo.

    *

    Clássicos de cardápios
    Há vinhos que são constantes nos menus atemporais. Ignoram modas, harmonizações, enófilos. São apenas para serem bebidos e caíram no gosto popular. Em caso de dúvida peço um Periquita, o vinho é bom, envelhece bem e tem estirpe. No Da Giovanni, vi pedirem um vinho assim, o garçom serviu uma taça para cada um da mesa e guardou a garrafa. Não se entenda como crítica, talvez seja o melhor papel para um vinho, ser bebido sem ritual, amigo da comida desde que se come fora na cidade. Escolhi garrafas destas como sugestão, são fáceis de encontrar, dão prazer e custam pouco.

    luiz horta

    Viajante crônico e autor dos livros eletrônicos 'As Crônicas Mundanas de Glupt!' e 'Vinhos que cabem no seu bolso'. Escreve aos domingos.

    Edição impressa

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024