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    Luiz Horta

    Sabores violentos e delicados compõem a gastronomia mexicana

    15/01/2017 02h00

    Fernando Sciarra/Folhapress
    Taco com tortilha de milho azul
    Taco com tortilha de milho azul

    Fui ao México uns meses atrás e gostei tanto que só falo, leio e penso nele desde então. Passei a festa dos mortos lá, com seu culto às caveirinhas, que aparecem em pães, docinhos, decoração, maquiagem. Tenho me ocupado bastante do assunto, comprei livros e tentei receitas, virou uma aflição, um hobby. Meus amigos já não aguentam mais o tema. Decidi, então, extravasar nesta coluna.

    O escritor mexicano Juan Villoro diz, com alguma ironia, que a bandeira de seu país é a única do mundo a representar um ato feroz de gastronomia. Fui ver e está lá no escudo: uma águia comendo uma serpente. Ele completa comentando que tal emblema denota um lugar que não pode ser pacífico nem ter uma comida simples.

    Na busca de ceviches, tratada na coluna anterior, acabei esbarrando em restaurantes mexicanos em São Paulo e minha "febre" voltou. São tão poucos e eu precisava tanto comer carnitas, chilaquiles em salsa verde, mole poblano ou oaxaquenho!

    O que há aqui é, principalmente, a comida chamada tex-mex, um tipo de fast-food, com a monotonia de chili com carne e muito chips de milho: espécie de lanchonete vinda do outro lado, do norte da fronteira; coisa texana, onde os americanos catam um elemento da comida do México e transformam em rede industrializada. Há, entretanto, exceções e fui a uma delas, o La Central (que fica num ambiente bonito e agradável no Copan). Gostei. Comi ótimo guacamole, que podia apenas ser mais violento no coentro.

    Quando viajei para a Cidade do México, aquela urbe descomunal, fui preparado para me sentir mal, ter um vulcão dentro de mim, a famosa "maldição de Montezuma": indigestão com as pimentas, a comida forte, a altitude. A estranheza de tudo seria inevitável. Pensava que viveria cena de desenho: um personagem como o Pernalonga que morde um taco, revira os olhos e solta uma chama pela boca, procurando um extintor.

    Como acontece na antecipação negativa e nos estereótipos nacionais, não tive nada, pois encontrei uma cozinha muito sofisticada, com produtos estranhos para mim, mas delicada, elaborada, muito boa. Comi de nopal (o cacto) a porco com huitlacoche, de pé em mercados ou em restaurantes estrelados. Tudo agradou.

    Falar de comida mexicana é tão errado quanto da brasileira. Há regiões, temperos, frutas variadas, dos climas de extrema secura do altiplano até os vinhedos da Baixa Califórnia, origem de excelentes vinhos. As pimentas não são o assunto, são um contraponto, ardem, mas controladamente, de modos diferentes, de uma deliciosa aromática a outra forte e defumada.

    La Central. Av. Ipiranga, 200, República. Te. 3214-5360.

    Fernando Sciarra/Folhapress
    Luiz Horta prepara taco com tortilha de milho azul
    Luiz Horta prepara taco com tortilha de milho azul

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    Guacamole, a salada sob outro nome

    Queria refazer em casa aquele México que visitei. Pensei em um cardápio plausível. Sim, trouxe uma mala cheia de latinhas e tortilhas de milho azul. Dá também para achar nos grandes supermercados alguma coisa. Há até conservas de moles oaxaquenhos e poblanos nas prateleiras, em vidro, se dermos sorte.

    Mas o México é o maior produtor de abacate do mundo, que Jean-Claude Carrière diz no seu "Dicionário Amoroso do México" que alguns acreditam ser o fruto que tentou Adão no Paraíso...

    Falo do abacate por ser um dos poucos produtos da cozinha mexicana fáceis de achar aqui. Guacamole é simples de fazer, combina com calor. No meu caso, digo: aumente a quantidade de coentro.

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    Enquanto for verão, beberemos ligeiro

    Os vinhos mexicanos estão em altíssimo nível —não há nenhum importado no Brasil, até onde consegui descobrir. Para este clima e esta comida uma michelada é boa sugestão de acompanhamento (cerveja com limão, sal e um pouco de pimenta). Ou um trago de mezcal, embora seja complicado achar os melhores, artesanais, fora das malas de quem chega. Para vinhos, eu fico com os brancos secos, Chardonnay sem madeira, Sauvignon Blanc, ou tintos de Gamay e uva País.

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    Vinhos da semana

    Divulgação

    (1) Herdade do Rocim branco, R$ 98 (World Wine).
    (2) Matetic Corralillo Sauvignon, R$ 85, (Grand Cru).
    (3) Fleur du Cap Chenin, R$ 58, (wine.com.br ).
    (4) Despagne Éclat, R$ 45 (Decanter).

    luiz horta

    Viajante crônico e autor dos livros eletrônicos 'As Crônicas Mundanas de Glupt!' e 'Vinhos que cabem no seu bolso'. Escreve aos domingos.

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