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    Luiz Horta

    Restaurante Hospedaria, na Mooca, tem os clássicos da nossa vida

    12/03/2017 02h00

    Estimulado pela recente capa da sãopaulo fui até a Mooca. O bairro na zona leste é daqueles a que vou pouco, mas quando estou lá sempre penso "deveria vir com mais frequência, um dos lugares mais gostosos da cidade". Os melhores bairros, para mim, são aqueles que têm uma forte personalidade e uma independência frente à cidade. Tradução: os melhores bairros são os mais bairristas.

    Fui conhecer a Hospedaria, restaurante recente que anuncia a cozinha do imigrante. Cada vez menos me interessam os conceitos na gastronomia. Estou na fase feliz de separar comida em "boa ou não". Não sei sobre os imigrantes. O que encontrei foi a cozinha da minha infância, os clássicos que chamaria de "comida retrô": salpicão, arroz de forno, milanesa, salada de batatas. A comida que alegra a alma, domingueira e familiar.

    O nome do lugar engana, pode passar a impressão de ambiente folclórico, tendendo ao kitsch. É um galpão, salvo da demolição (vi prédios, monstrengos de lego empilhado, nas proximidades, sintoma de demolições recentes) em belo projeto, simples, confortável sem ser estereotipo de cantina italiana.

    A comida segue o mesmo partido. Os pratos são os simples, mas revisitados pela oferta de produtos de hoje. Se antigamente não havia arroz verdadeiro para risoto (e para paella, que lá não servem), foi uma boa volta de parafuso fazer o risoto como antes, antes da importação de arbóreos e bombas. Lembrei do arroz de forno da minha tia Helena, tão aguardado nas festas. A milanesa era deliciosa, macia, perfeita.

    Ficou claro que são as receitas das casas, mas executadas com técnica de chef e produtos melhores, um sutil deslocamento dos originais, para melhor.
    Na nostalgia costumamos nos decepcionar com os reencontros pela fantasia das delícias perdidas. Por que não melhorar o passado com um chocolate de qualidade, um queijo superior, um azeite bem mais fino em lugar do sempre oxidado pelas longas viagens? Acho a ideia excelente, o passado da nossa mesa como ele poderia ter sido, se houvesse a oferta de produtos bons "naqueles bons tempos que não voltam mais" (detesto este clichê).

    O final foi com estilo, café coado, dos torrados por Hugo Wolff, e um bolo de coco bem úmido, servido com a graça de aniversários remotos. Enquanto isso, lá fora, na Mooca vista do janelão, desfilavam personagens desaparecidos de outras partes da cidade, o amolador de facas e um comprador de quinquilharias, tão autênticos que chegavam a parecer contratados para o papel.

    Gostei muito e quero fazer esta "viagem" ao mundo dos anos 1950 mais vezes.

    *

    Milanesa, salpicão, vinhos

    Por algum atavismo não posso ver estes pratos em cardápios que peço. O filé à milanesa, que é outro nome para o Wiener Schnitzel, prato nacional da Aústria (lembremo-nos da confusão de fronteiras e nacionalidades que foi o Império Austro-Húngaro e a Itália pré-unificação) já vem com sede de um Riesling ou, um mais raro aqui, Grüner Veltliner, uva emblema austríaca. O salpicão não tem muita opinião sobre vinhos, mas não destoa dessas companhias aí.

    Felizmente não se levou em conta, na Hospedaria, o que seria o vinho do imigrante. Como se sabe, diante da dificuldade de plantio para as grandes uvas italianas, acabaram tendo que se contentar com os horríveis frutos da uva híbrida Isabella ou Isabel, variedade inapropriada para vinhos. Só no Brasil ainda se usa para os garrafões tão daninhos ao gosto nacional. Se podemos beber melhores vinhos, para que usar essa uva banida no mundo todo?

    E ainda sobre vinhos, como Dalva de Oliveira posso cantar "Errei sim... manchei o teu nome". Na edição anterior, atribui à importadora Premium o vinho Cinsault De Martino. Ele é trazido pela importadora Decanter.

    *

    Uma decepção

    Sai da Hospedaria, atravessei a rua e fui à Di Cunto. Preferia não ter ido, mantendo a mística. Os doces eram lindos, mas aferrados à velha escola da doçura extrema. Merecem o mesmo "aggiornamento" das receitas do vizinho de frente.

    *

    Vinhos da semana

    (1) Grüner Veltliner Terrassen Bründlmayer, R$ 192 (Mistral).
    (2) Dr. Bürklin-Wolf Riesling Trocken, R$ 169 (VinD'Ame).
    (3) Two Vines Columbia Crest Riesling, R$ 74 (Winebrands).
    (4) Aurora Reserva Chardonnay, R$ 47 (Vinhos&Vinhos).

    *valores de referência

    luiz horta

    Viajante crônico e autor dos livros eletrônicos 'As Crônicas Mundanas de Glupt!' e 'Vinhos que cabem no seu bolso'. Escreve aos domingos.

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