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    Luiz Horta

    Prática e pragmática, gastronomia alemã é atraente

    26/03/2017 02h00

    Alberto Rocha/Folhapress
    Eisbein grelhado e spätzle do restaurante Konstanz
    Eisbein grelhado e spätzle do restaurante Konstanz

    Sou quase totalmente português, no meu coquetel genético, mas tenho lá um remoto bisavô prussiano como antepassado. Atribuo a ele o meu gosto pela cozinha alemã. Tenho diversas comidinhas de alma, aquelas "comfort food", para as quais fugimos quando precisamos de um carinho alimentar.

    É mais comum as pessoas listarem mingaus, cheiro do bolo materno assando, coisas cremosas ou brownie de chocolate: esses pratos doces que confortam e liberam endorfinas nos dias de estresse ou melancolia. No meu caso, o que tem esse efeito é um bife à milanesa com spätzle.

    A gastronomia alemã não chega a ser notável. É prática, pragmática, alimentícia sem muita variedade. Isso também a ajuda a ser atraente em dias outonais, nos dois sentidos, de mudança de clima e de desvanecimento do espírito.

    Morei um semestre em Berlim, comi em alguns restaurantes até sofisticados e os críticos franceses do famoso guia "Michelin" andaram semeando estrelas por lá. Mas o que conta mesmo é o trivial: eisbein (joelho de porco) e kassler (costeletas), a vasta salsicharia, os pães pesados e nutrientes, as aves gordas como patos e marrecos, chucrute e as batatas, apresentadas em formatos e receitas diferentes. Uma comida sólida e direta, pouco sujeita à gourmetização.

    Quando vim morar em São Paulo, acostumado a comer semanalmente um desses pratos, percebi que não seria tão simples. Há escolhas espalhadas pela cidade. O bife à milanesa é o mais fácil, faz parte do repertório da casa brasileira. Mas não há, como pizzas ou comida chinesa, um restaurante em cada bairro. Levei um tempo para que a bússola localizasse o epicentro germânico.

    O início da imigração alemã para a capital paulista ocorreu em 1827 e se fixou pelas bandas de Santo Amaro (há até um pouco conhecido cemitério luterano na região) e é ainda por ali que se encontram os principais restaurantes. São todos bem parecidos, com uma Oktoberfest latente, sempre dando a impressão que alguém vai entrar vestido de Siegfried e cantar Wagner com uma caneca de chope na mão.

    São exatamente a imagem que se espera, muita madeira num clima bávaro-alpino, pratos na parede com cenas bucólicas de caça, uma ou outra flâmula de time da Bundesliga. Mas, além da gracinha da caricatura (carinhosa, sublinho), a comida é muito boa.

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    A massinha
    Quer irritar os alemães? Diga que spätzle é uma espécie de nhoque deles. Equivale a dizer que feijoada é um prato tipo cassoulet. Cada coisa tem sua identidade e preparo diferente, embora haja semelhanças. Os spätzle são pedacinhos de massa meio retorcidos, cozidos em água como a pasta em geral e servidos (do jeito que mais gosto) na manteiga com cubos de toucinho fresco frito e cebolas picadinhas. Frequentemente acho o mundo complexo demais e tenho até certa preguiça. Para que discutir a diferença entre spätzle e nhoque? Baixa uma vontade de usar sempre roupas iguais, comer as mesmas coisas e nem cogitar em combinar vinhos com os pratos. Mas basta ver um spätzle da minha maneira que desisto da simplicidade e aceito que tudo sempre será complicado e cheio de escolhas: com páprica ou sem? Quando for falar da Hungria, penso nisso.

    Riesling de novo?
    Não. Tenho autocrítica. Vejo que recomendo Rieslings com demasiada frequência, por gostar muito deles e por achar que combinam com carne de porco. Está na hora de nos rebelarmos contra o meu gosto. Vamos experimentar um tinto com o joelho de porco grelhado? Pensei em Pinot Noir ou Gamay, capazes de vinhos raçudos mas delicados, sendo o que mais me interessa no caso uma acidez vivaz para a gordurinha e para a acidez intensa do chucrute. Seja qual for o vinho, o eisbein grelhado é do Konstanz, um dos melhores que comi.

    Alberto Rocha/Folhapress
    Ambiente do restaurante alemão Konstanz
    Ambiente do restaurante alemão Konstanz

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    Konstanz
    Onde: av. Aratãs, 713, Indianópolis, tel. 5141-0969.
    Quando: seg. a qua., das 12h à 0h; qui. a sáb., das 12h à 1h; dom., das 12h às 18h.

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    Vinhos da semana

    (1) Cono Sur Pinot Noir Reserva Especial, R$ 92 (World Wine).
    (2) La Part du Colibri Gamay, R$ 87 (Delacroix).
    (3) Palo Alto Reserva Merlot, R$ 64 (Ravin).
    (4) Salton Paradoxo Pinot Noir, R$ 49 (Wine.com.br).

    luiz horta

    Viajante crônico e autor dos livros eletrônicos 'As Crônicas Mundanas de Glupt!' e 'Vinhos que cabem no seu bolso'. Escreve aos domingos.

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