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    Luiz Horta

    No centro de SP, Éclair Moi mostra a arte da exatidão na confeitaria

    08/10/2017 02h00

    Tenho ido muito ao centro, o que me deixa feliz, o propósito desta coluna (na minha cabeça) era sair dos mesmos bairros de sempre. Como ex-morador da República gosto bastante de ver a região cheia de boa comida. A confeitaria Éclair Moi abriu sua fábrica, com loja na frente, diante de uma oficina de bicicletas, quase do lado do Minhocão, com mesinhas na calçada e um ar de normalidade que não vivi por lá duas décadas passadas.

    Ver o centro vivo aumenta o prazer pelos doces excelentes. E estava cheia, com pessoas comendo tortas com café. Esperava algo esnobe, pela qualidade dos produtos e encontrei um negócio carregado de gentilezas urbanas.

    Sempre me admiro pelo exercício silencioso da confeitaria. Vista de fora ela é parte da cozinha, está lá no meio das panelas borbulhando, dos chefs suando e comandando a expedição de pratos para as mesas com seus famintos e ansiosos clientes. Claro, as sobremesas são para comer também e estão no mesmo sistema, mas o pâtissier, o chef-confeiteiro, vive na sua bolha zen, concentrado em equilíbrio de pesos e medidas.

    Divulgação
    Éclairs, doces que dão nome à casa
    Éclairs, doces que dão nome à casa

    Os irmãos Davies, Edward e Nathalie cuidam de tudo. São autodidatas, que eles dizem de forma mais encantadora, "amadores". Quem dera todo amadorismo fosse assim, Nathalie ficou dois anos testando farinhas e manteigas para chegar à massa perfeita das "éclairs", a textura que resiste à mordida sem ser mole nem crocante, uma sensação tátil.

    Ela salienta que a cozinha salgada admite improvisações, até exige, mas o confeiteiro precisa de seu laboratório organizado, sem surpresas, pois alguns gramas errados de farinha ou de açúcar e tudo acabou. É a área da gastronomia em que o perfeccionismo é mais presente, pontos exatos de temperatura são tão complexos quanto a elaboração de um explosivo. Não estou exagerando.

    Entrevistei Cédric Grolet, do hotel Le Meurice, em Paris, tempos atrás. Ele parecia relaxado e sorridente. Mas dava para notar uma pontinha de tensão no seu "crazy eye". Quando se prova o que ele faz, percebe-se que tem um sujeito louco atrás da fachada de candura.

    Lembrei dele na minha degustação doce na Éclair Moi. Pois há macarons e macarons. Quase sempre me decepcionou aqui comer produtos tecnicamente ok, com aparência de bons, mas sem sabor, textura ou equilíbrio.

    Pistache, por exemplo, é um problemão. O que chega ao mercado é meio sem gosto e o resultado são pastas verdes sem o sabor das castanhas. Anotei uma frase de Edward que explica exatamente a decepção de que fujo: "Quero que as coisas tenham o gosto do nome que elas levam, que o que é de morango não tenha gosto de cor-de-rosa".

    Chega de creme de pistaches sabor "nada" verde, eu saí de lá bradando e assustando transeuntes.

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    Éclair Moi
    Onde: r. General Jardim 277, Vila Buarque, tel. 3129-9736.
    Quando: seg. a sex., das 11h às 18h.

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    Na veia

    Lembrei de um restaurante, nos tempos de Ferran Adrià, em Barcelona, que servia um menu inteiro de doces. Teve outra tentativa no bairro do Marais, em Paris. Ainda está lá, chama-se Dessance, mas acho uma proposta meio temerária, pois tem uma hora que trava. Chega a dar um barato de açúcar: "entrada", "prato" e "sobremesa", tudo sobremesa. Se misturarmos então com vinhos doces, como os intensos Tokays húngaros...

    Os irmãos Davies pensaram numa fórmula interessante, para que se mergulhe nos açúcares sem fastio. Criaram um drinque feito com espumante bem seco, licor de morango e leve toque de rosas. Chama-se La Reine, soa enjoativo, mas é intensamente refrescante e um ótimo contraponto acidinho para os doces.

    Que nem são tão doces. Falamos muito disso, da quantidade ideal de dulçor que não mascare os sabores, pois açúcar é um disfarce, como um molho muito temperado ou picante faz que a comida fique monótona, o açúcar pode reduzir belas receitas a seu simples sabor dominante.
    A "éclair" de framboesa, a "red velvet", tem até um toque salgado, que fica tão bem e que se usa tão pouco no Brasil, o sucré-salé. Os caramelos na manteiga com sal franceses, uma das maiores delícias são a comprovação dessa tese.

    Vou recomendar espumantes nos vinhos da semana, quanto mais vivazes em acidez melhor, eles são os ideais, mas quem for até a loja pode pedir o drinque que é muito bom.

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    Vinhos da semana

    (1) Espumante Angheben Brut Champenoise, R$ 110 (Vinhos e Vinhos)
    (2) Chandon Reserve Brut, R$ 97,90 (Pão de Açúcar)
    (3) Miolo Brut, R$ 72,90 (Pão de Açúcar)
    (4) Espumante Peterlongo Brut, R$ 36,90 (Vinhos e Vinhos)

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    luiz horta

    Viajante crônico e autor dos livros eletrônicos 'As Crônicas Mundanas de Glupt!' e 'Vinhos que cabem no seu bolso'. Escreve aos domingos.

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