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    Luiz Horta

    Menus-degustação como o do Maní são para dias tranquilos

    05/11/2017 02h00

    Quando conheci Helena Rizzo achava que não podia conversar com ela, que teria de falar algo relevante ou estaria fazendo que perdesse seu tempo. Nada de perguntas banais no estilo "o que te inspira a criar?". Estive uma dezena de vezes no Maní, acompanhei seu trabalho, primeiro com Daniel Redondo e agora solo. Conheci suas fases, pratos e mudanças.

    Quase uma década se passou e continuo sentindo a mesma coisa, não sei falar com ela sobre comida. Acho que a resposta da chef ao que eu queira perguntar será sempre um prato. Então, falo com Helena quando a encontro em situações corriqueiras, na fila da padaria, num evento social, mas no restaurante quem se manifesta é o cardápio

    Fui conhecer o novo menu. Os menus-desgutação andam sendo atacados, com alguma razão. É uma entrega ao chef e suas vontades, mas é preciso saber em que mãos você se coloca. O defeito não é a ideia de uma refeição longa, feita de pequenas porções, mas que tudo tenha se tornado assim. Condenar a forma por causa de equívocos dos outros seria como reprovar o tamanho de uma sinfonia de Mahler por ter gente que compõe música ruim com tanta duração.

    Quando o chef sabe o que está fazendo o menu-degustação é um jeito inteligente de mostrar diversas coisas sem fatigar e, ao mesmo tempo, uma oportunidade para fazer um percurso variado num único jantar.

    Não é para todo dia. Refeições assim concebidas são para dias de um estado de alma aberto e tranquilo, quando se tem o tempo longo para entender. Se você está com fome de rapidez e facilidade sempre tem a pizza delivery —não estou sendo irônico. Já passei por menus em que olhava o relógio e contava os pratos, louco para ficar livre e ir para casa. Mas, se há sintonia no que é apresentado, é a perfeição.

    O atual menu-degustação é o mesmo Maní de sempre, produtos brasileiros com técnica inventiva e levemente de influência catalã (assunto delicado hoje em dia, mas estou mesmo me referindo ao mundo dos irmãos Roca, do Celler de Can Roca, que tanto formou Helena).

    Sempre olho com apetite para o desafio que é combinar vinhos com esse formato de comer. Há uma possibilidade que é escolher uma única garrafa, bem fácil de não dar erro, como champanhes e espumantes. Mas aí é perder a brincadeira, o jogo permanente entre vinho e cada prato.

    Caju, fruta deliciosa, mas que dá aquele travo na boca, que problema para vinho! E todo mundo sabe o que responder sobre aspargos, como se comessemos aspargos toda semana e ninguém terá muita certeza do que beber com um ceviche de caju (que é delicioso). Foi um espumante cada dia mais bebido, que já recomendei algumas vezes, o Lírica Brut, que enfrentou bem o prato.

    Depois veio um lagostim, mel de cacau, nibs e picles de chuchu que já chegou falando "Riesling".

    Não vou listar tudo que comi nem sei descrever os pratos. Não perguntei da técnica. Acho mais interessante assim, a gente não fica olhando a marca do pincel no quadro, mas dá aquele passo atrás e vê o conjunto. O arroz de suã, do jeito que ela propôs, delicado e o peixe com taioba, jaca e castanha-do-pará assada são tão "naturais" no nosso ambiente que eu acreditaria se alguém dissesse que eram pratos típicos. Que arte a de ocultar a mão do criador no resultado. Nenhum prato parece inventado ou de combinações apenas pelo efeito, dão a impressão contraria, como se sempre tivessem sido feitos daquela forma.

    Quando chegou o kobe beef (infelizmente não está mais no menu) com escalivada e aïoli —escalivada é aquela coisa de levar tiras de pimentão, abobrinha, berinjela ao forno, só com azeite, e deixar murchar até queimar—, Helena deu uma passada pela mesa, se esgueirando pelo canto da parede, sem querer dar aquela grande entrada no salão. Eu falei algo sobre o toque queimadinho nos pratos, como uma marca do menu, ela deu um riso conivente: "Gaúcho não pode ver uma brasa, né?".

    Pois a assinatura é esta, o tostado deixando seu sabor ser sentido (coisa que ela já explorava num clássico do restaurante, o rosbife no lapsang souchong, chá chinês fortemente defumado).

    Bebi outros vinhos, mas continuo achando que uma garafa de espumante e outra de um Riesling com açúcar residual e acidez fazem o papel de coadjuvantes para essa sucessão de pratos. Recomendo não pedir "à la carte", deixar a Helena conduzir o jantar e dou algumas sugestões de vinhos para a semana ou para levar lá.

    *

    Maní
    Onde: r. Joaquim Antunes, 210, Pinheiros, tel. 3085-4148.
    Quando: ter. a qui., das 12h às 15h e das 20h às 23h30; sex., das 12h às 15h e das 20h30 à 0h; sáb., das 13h às 16h e das 20h30 à 0h; dom., 13h às 16h.
    Menu-degustação: R$ 470 e R$ 730 (harmonizado com vinhos naturais)

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    Vinhos da semana

    Reprodução
    Vinhos da coluna de Luiz Horta de 05.nov.2017

    (1) Horst Sauer Escherndorfer Lump Silvaner Kabinett Trocken, R$ 155,12 (decanter.com.br )
    (2) Batalha Nature Champenoise, R$ 79,60 (vinhosevinhos.com )
    (3) Errazuriz Estate Series Chardonnay, R$ 53,90 (vinci.com.br )
    (4) Libertas Chenin Blanc, R$ 32,90 (evino.com.br )

    luiz horta

    Viajante crônico e autor dos livros eletrônicos 'As Crônicas Mundanas de Glupt!' e 'Vinhos que cabem no seu bolso'. Escreve aos domingos.

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