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    Luiz Horta

    O enigma da chegada

    19/11/2017 02h00

    Gabriel Cabral - 16.out.2013/Folhapress
    São Paulo, SP, Brasil, 16-10-2013: Frevo localizado na R. Oscar Freire, 603 - Jardim América. (foto Gabriel Cabral/Folhapress)
    O beirute do Frevo

    Geladeira de celibatário que volta de viagem é uma pintura de Edward Hopper, mistura de abandono e desalento num cenário urbano. Cheguei, coloquei as malas na sala, faminto. Abri a porta dela mais por ato reflexo que por esperança: dois mamões petrificados, um tomate mumificado e embalagens plásticas com coisas esquecidas e já perdidas.

    Depois de um tempo viajando, cozinhando ou jantando fora, um voo com uma espera de 12 horas e com uma duração igual já faziam seu efeito de estragar o que tinha acumulado de otimismo e alegria, semiférias. O retorno brutal à realidade do dia a dia. É possível correr ou chorar, preferi obedecer ao título e lema da coluna, ir dar uma volta para procurar uma mesa.

    Lembrei, na tarefa autoimposta da revisita aos clássicos, do Frevo (da Oscar Freire, há facções irredutíveis na defesa da escolha). Tinha fome de pizza (as duas coisas que se sente falta no exterior, a pizza paulistana e o que aqui se chama "comida árabe". Sinto falta de farofa também, mas consigo fazer). Um beirute, que não comia tem uma década, pareceu boa ideia.

    Não era um quibe ou esfirra, mas tinha a consistência de comida. E fiquei passeando pelo cardápio. Acabei também trazendo para casa um filé à parmigiana, pois sou guloso e a geladeira ia continuar vazia até segunda-feira. Tenho meus pontos mais fracos, palavras como milanesa, club sanduíche e a sobremesa Paris-brest estão entre eles. Se constam nos cardápios, preciso provar, quase um toque.

    O beirute não se parecia com o que eu tinha na memória, na verdade era muito melhor. O queijo derretido, a carne saborosa, tudo muito bem engendrado e resolvido.

    Com um sanduíche assim se toma um chope. Até poderia indicar vinhos, mas a cerveja gelada ajeita melhor a zoeira aérea (minha tradução para jet lag).

    Requentei o filé no outro dia (ia fazer um trocadilho com requinte e requente, mas melhor não) e esse sim foi bom companheiro para um italiano simples e direto.

    Segui fiel à minha prática de pedir algo que não é exatamente o que se deveria nos cardápios. Se a casa é famosa por carne, porque não experimentar o peixe, só para testar? O Frevo, um ano mais velho que eu, é quase uma lanchonete, não um restaurante italiano. O parmigiana, grande descoberta para mim, provavelmente é conhecido por todo mundo.

    É uma das minhas regras de ouro: na primeira vez peço o que notabiliza o lugar, na segunda, quando há, vou pela aventura. Sem repetir duas amigas que foram, muitos anos atrás, para a Bolívia, quando isso era mochila e doideira (pré-tudo, antes da comunicação, viajar era sumir, incomunicável, com um postal que chegava depois do viajante e uma única chamada telefônica internacional permitida, pelo preço, para gritar: "estou bem!", pois não se escutava nada). Minhas amigas, com medo da comida andina, que hoje todo mundo adora, pediram uma pizza quatro queijos. Uma foi para o hospital, intoxicada (coitada, espero que não leia isso).

    Não peçam feijoada no restaurante de sushis, mas arrisquem um pouco. Vale ainda mais para os vinhos.

    (O título da coluna é o de um livro maravilhoso de V. S. Naipaul, exatamente sobre esse sentimento de impertinência constante que aflige os viajantes, os que mudam de país, a reinvenção a cada volta de viagem.)

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    Frevo
    Onde: r. Oscar Freire, 603, Jardim Paulista, tel. 3082-3434
    Quando: dom. a qua., das 10h30 à 1h; qui. e sex., das 10h30 às 2h; sáb., das 10h30 às 3h

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    Vinhos da semana

    Comida italiana combina com vinho italiano! Não é perfeito? Como dizia o Hugh Johnson, ironizando a obsessão por harmonizações (palavra horrível) que assolou o mundo da gastronomia: se o queijo da região não combinasse com o vinho produzido lá, as pessoas morreriam sem comer? Então sugiro alguns vinhos italianos ou de uvas como Sangiovese, para acompanhar o filé a parmigiana.

    Divulgação
    Castellani Chianti Classico R$57,90 (Pão de Açúcar)Monteguelfo Chianti Classico R$67 (Wine.com.br)Musìta Nero D'Avola Sicilia R$93 (Premium Wines)Dolcetto d'Alba Bera R$96,06 (Vinci Vinhos)

    Castellani Chianti Classico R$ 57,90, no Pão de Açúcar
    Monteguelfo Chianti Classico R$ 67, no Wine.com.br
    Musìta Nero D'Avola Sicilia R$ 93, no Premium Wines
    Dolcetto d'Alba Bera R$ 96,06, no Vinci Vinhos

    valores de referência

    luiz horta

    Viajante crônico e autor dos livros eletrônicos 'As Crônicas Mundanas de Glupt!' e 'Vinhos que cabem no seu bolso'. Escreve aos domingos.

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