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    Luiz Horta - Luiz Horta, Magê Flores

    Velho amigo que não decepciona: o Itamarati, no centro

    26/11/2017 02h00

    Gabriel Cabral/Folhapress
    São Paulo, SP, Brasi, 21-11-2017: Miranda, garçon do restaurante Itamarati, localizado na Rua José Bonifácio, 270 - Centro. (foto Gabriel Cabral/Folhapress)
    Miranda, garçom do Itamarati, no centro

    Antigamente (não no meu tempo na cidade, anteriormente) as pessoas se vestiam bem para ir ao centro, os homens de terno e chapéu, para tomar chá no Mappin, olhar as vitrines.

    Quando me contam isso tenho nostalgia do que não vivi, a cidade habitável, em preto e branco. Meu primeiro chapéu comprei na Casa Cabana, logo na descida da rua do Seminário, quase no Anhangabaú. Talvez tenha sido movido por essa vontade de ter estado naquela época no centro. A Cabana fechou faz tempos, eu continuo usando chapéus, que já somam uma dezena agora.

    Sou um centralista obsessivo, gosto do centro de todas as cidades, não só do paulistano, faço questão de visitá-los, acho que guardam uma identidade comum (eu nasci no centro da minha cidade e morei lá até me mudar para outras). Tenho uma ideia do lugar como o auge da urbanidade. Na minha família se dizia "vou à cidade" quando era algo na região.
    Então resolvi voltar ao Itamarati, um dos meus lugares favoritos em São Paulo, pois não é só a comida que é boa, mas o passeio.

    Como considero meu bairro, Aclimação, independente de São Paulo e como tenho o privilégio de ter o trólebus na porta de casa, fui de ônibus elétrico, aumentado o desvio (delírio) histórico no tempo.

    O cardápio é o mesmo, os garçons vestidos de garçons, aquele estereótipo de caricatura, são de uma polidez única, cobrem com imenso guardanapo branco, monogramado, seus pertences na cadeira ao lado, para não respingar nada. O ambiente é sempre movimentado, estaríamos em 1950, não fossem a TV, a máquina de passar o cartão de crédito e o próprio cartão.

    Gosto dos pratos algo germânicos, eisbein (joelho de porco) com chucrute, batatas, ou o kassler frito. O estrogonofe é muito bom e combina com esta fantasia de túnel do tempo.
    Os vinhos são "de época" também, aqueles que nunca deixaram se estar nas prateleiras dos supermercados, Periquita, Bolla...

    O frango assado piscava para mim, mas comi o joelho de porco, macio e correto. Pudim de sobremesa. O café deixei para um dos "third wave" novos que felizmente começam a dominar o centro, afinal, não é preciso ser fiel a tudo.

    De lá, fui verificar as tintas e canetas na Ravil, no Martinelli, e dei uma folheada nos livros da Livraria Francesa. Deveria ter completado o programa fazendo a barba, aparando o cabelo e engraxando os sapatos, mas chovia e não deu tempo. Enquanto o Itamarati e eu existirmos, voltarei. Tomei o elétrico para casa ao lado do Copan.

    No longo trajeto do ônibus vim matutando uma tese que jamais escreverei, chama-se "A hipsterização como agente de recuperação benigna de bairros em decadência". Assisti em Hackney (Londres), Prenzlauer Berg (Berlim) e no Sentier (Paris).

    ITAMARATI
    Onde r. José Bonifácio, 270, centro, tel. 3241-4929
    Quando seg. a sex., das 11h às 22h

    *

    Medalha, medalha

    Recebo, não é brincadeira, pelo menos um e-mail semanal contando que um vinho brasileiro ganhou uma medalha num concurso internacional. Tem alguma importância nisso?
    Um amigo chamou de "síndrome de Mutley", aquele cachorrinho cínico (que é redundância, cinismo vem da palavra cão, coisa dos filósofos gregos, mas não cabe explicar agora), assistente de Dick Vigarista, que só queria medalhas.

    Já falei tanto sobre o assunto que dou um longo suspiro antes de começar, mas o melhor vinho do mundo não existe, nem o melhor restaurante nem o melhor ator, autor, escolha a categoria. São instantâneos de um momento, decididos por um júri. Nada contra. É bacana, enfileiram-se garrafas (no caso dos vinhos), prova-se e determina-se que aquele tal é o melhor naquele grupo. Diversão pura, não beba prêmios nem medalhas, beba vinhos.

    Falei do Periquita como "vinho de época" porque ele está aí desde que o assunto vinho entrou no nosso cotidiano para valer, coisa de duas décadas no máximo. Antes da oferta ampla de rótulos que temos hoje, ele já chegava ao Brasil. Sempre confiável, fácil de achar, de preço bom. Nas cartas dos velhos restaurantes não falha, está presente e garante um tinto equilibrado e fácil de beber com todo tipo de comida.

    Se ganhou alguma medalha não sei, certamente alguma ao longo do tempo. Mas a maior medalha é o público fiel que tem e eu me incluo nele.

    *

    Vinhos da semana

    Divulgação
    vinhos - Luiz Horta

    (1) Two Oceans Cabernet Merlot, R$ 39,50 (Pão de Açúcar).
    (2) Le Jaja de Jau Syrah, R$ 75 (Zahil).
    (3) Periquita, R$ 46,20 (Pão de Açúcar).
    (4) Santa Cristina Rosso, R$ 89 (Winebrands).

    • valores de referência
    luiz horta

    Viajante crônico e autor dos livros eletrônicos 'As Crônicas Mundanas de Glupt!' e 'Vinhos que cabem no seu bolso'. Escreve aos domingos.

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