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    Luiz Carlos Bresser-Pereira

    A caminho do fracasso

    03/06/2013 03h00

    Liberalismo econômico e desenvolvimentismo são duas formas de organização econômica e social do capitalismo e dois estilos de política econômica. Nesta segunda acepção, a escolha do estilo envolveria uma troca: mais estabilidade no liberalismo, mais crescimento no desenvolvimentismo.

    Na realidade, o liberalismo econômico rejeita deficit públicos, mas aceita deficit crônicos em conta corrente, o que o deixa sujeito a crise de balanço de pagamentos.

    Já o desenvolvimentismo competente rejeita ambos os deficit, e promove crescimento com estabilidade, enquanto o desenvolvimentismo populista aceita os dois deficit, e acaba não logrando nem crescimento nem estabilidade.

    As políticas econômicas liberais, ao aprovarem deficit em conta corrente crônicos, estão praticando populismo cambial: pensam que promovem o aumento do investimento, mas, ao levar o país como um todo a gastar mais do que suas receitas de exportação permitem, apreciam o câmbio, incentivam mais o consumo do que o investimento e, afinal, levam o país à crise.

    O caso argentino mostra como um desenvolvimentismo que começou competente pode derivar para o populismo fiscal e cambial ("fiscal" se o Estado gastar irresponsavelmente, "cambial" se o país como um todo fizer o mesmo).

    Depois de uma brutal crise causada pela adoção de políticas ortodoxas, o peso se desvalorizou. O novo governo que surgiu da crise estabeleceu uma retenção sobre as exportações de commodities que neutralizou a doença holandesa e produziu superavit em conta corrente; ao mesmo tempo, adotou política fiscal responsável, alcançou superavit fiscais e reestruturou sua dívida externa com coragem e firmeza.

    O resultado foi o surgimento de oportunidades de investimento lucrativo para as empresas. A taxa de investimento aumentou, e o país cresceu a taxas elevadíssimas durante vários anos: em média, 8,5%.

    Entretanto, em 2007, a inflação, que estava em torno de 9%, saltou para 18%, devido a um crescimento acelerado dos anos anteriores.

    O governo, no quadro do pleno emprego, ao invés de adotar políticas duras e ajustar a economia, segurou o câmbio para controlar a inflação, e aumentou a despesa pública. Em consequência, o peso valorizou-se 41% entre 2007 e 2012, o país perdeu competitividade e entrou em deficit em conta corrente.

    Devido a essa combinação de populismo cambial e fiscal, em 2012 o crescimento do PIB foi de apenas 1,9%, enquanto surgia novamente um mercado paralelo de dólar, hoje comprado pelo dobro do preço oficial, porque o medo de nova crise cambial ressurgiu na população.

    Durante um tempo, vendo a responsabilidade fiscal, o superavit em conta corrente e a neutralização da doença holandesa, acreditei que os argentinos haviam aprendido a administrar o câmbio e a garantir a competitividade do país, e que poderiam ser um exemplo de novo desenvolvimentismo para o Brasil, que até hoje não aprendeu essa lição.

    Mas, com tristeza, vejo agora uma estratégia de desenvolvimento que poderia ter garantido prosperidade e estabilidade para a Argentina caminhar para o fracasso.

    luiz carlos bresser-pereira

    Escreveu até fevereiro de 2014

    É professor emérito da Fundação Getúlio Vargas, onde ensina economia, teoria política e teoria social. É presidente do Centro de Economia Política e editor da 'Revista de Economia Política' desde 2001. Foi ministro da Fazenda, da Administração e Reforma do Estado, e da Ciência e Tecnologia.

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