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    Luiz Carlos Bresser-Pereira

    Início ou fim da crise na Argentina?

    27/01/2014 03h12

    Em 23 de janeiro, o peso argentino desvalorizou-se 10% e foi a 7,75 por dólar –foi a 13 pesos no paralelo. No Brasil, falou-se em crise cambial.

    Será isso mesmo ou, desde a posse, em novembro, do jovem ministro da Economia, Axel Kicillof, o país está no caminho de sair da crise?

    A Argentina estava ameaçada do "eterno retorno" que caracteriza o ciclo populista de expansão seguida de crise financeira. O processo começa com uma crise de balanço de pagamentos, quando credores perdem a confiança e suspendem a rolagem da dívida externa. O país deixa de honrar débitos externos.

    Em seguida ocorre a apreciação cambial (poucos anos), causada em boa parte pelo uso do câmbio para segurar a inflação, até que a taxa de câmbio alcance um "piso" correspondente a um deficit em conta corrente elevado, superior ao crescimento do PIB, que implica endividamento crescente do país.

    Mas todos estão felizes: assalariados, rentistas e governo –aqueles porque suas receitas aumentaram artificialmente, este porque sua popularidade aumentou.

    E a felicidade torna-se ainda mais alta, pois o governo, além de incidir em deficits em conta corrente irresponsáveis, entra em deficits fiscais igualmente irresponsáveis, atendendo às demandas dos eleitores.

    Mas, alcançado o piso cambial, o país entra na fase de fragilidade financeira. Não entra em crise pois os credores externos, igualmente felizes, alimentam a bolha de crédito.

    Ao mesmo tempo, a inflação se acelera devido às pressões de demanda, e o Banco Central, que não pode mais segurar a inflação com "âncora cambial", aumenta os juros para controlá-la –e também para atrair capitais que cubram o deficit em conta corrente.

    Por mais alguns anos, o país vive na armadilha de juros altos e câmbio sobreapreciado, até que os credores novamente perdem a confiança, e a crise cambial se desencadeia.

    Na Argentina, que não tem acesso ao crédito desde a crise financeira de 2001, a crise se consumará se houver o esgotamento das reservas em moeda estrangeira.

    Entre 2003 e 2007, um peso próximo do equilíbrio competitivo (cerca de 3,7 pesos a preços de 2007) garantiu alto crescimento. Mas, a partir desse ano, a inflação se transformou em problema. O governo não resistiu ao populismo e segurou o câmbio para controlar a inflação.

    Em consequência, o regime de alto crescimento acabou, enquanto o peso se valorizava e as reservas diminuíam. O resultado foi, há cerca de dois anos, a perda de confiança dos argentinos no peso e seu aumento violento no mercado paralelo. Era a crise que se delineava.

    Ao chegar agora a cerca de 8 por dólar, o peso recuperou o equilíbrio competitivo, o governo diz que ele chegou ao nível desejado e, sem temer aumento do preço oficial do dólar, suspendeu restrições à compra de dólares, para reduzir o paralelo.

    Se a estratégia de manter o câmbio no nível competitivo tiver sucesso, as expectativas de lucro crescerão, as empresas voltarão a investir, o superavit em conta corrente será recuperado e a Argentina sairá da crise. Mas terá ainda de resolver o problema da inflação, sem, naturalmente, recorrer ao mecanismo nefasto da âncora cambial.

    luiz carlos bresser-pereira

    Escreveu até fevereiro de 2014

    É professor emérito da Fundação Getúlio Vargas, onde ensina economia, teoria política e teoria social. É presidente do Centro de Economia Política e editor da 'Revista de Economia Política' desde 2001. Foi ministro da Fazenda, da Administração e Reforma do Estado, e da Ciência e Tecnologia.

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