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    Luiz Carlos Mendonça de Barros

    O sapo e o escorpião

    22/02/2013 03h00

    Mais uma vez uso uma conhecida fábula popular para trazer aos leitores da Folha minhas reflexões sobre a economia --e a política-- brasileira nos dias de hoje.

    Recentemente, ao preparar uma palestra sobre a gestão da economia no governo Dilma, recordei-me da fábula do sapo e do escorpião.

    Os leitores conhecem a imagem de um escorpião que pediu ao sapo para atravessá-lo de uma margem à outra de um lago. O sapo negou-se a fazê-lo, dizendo que o escorpião acabaria por picá-lo. A essa colocação o escorpião respondeu dizendo que, se fizesse isso, ele também morreria. Mas o sapo, encerrando a conversa, disse: eu sei disso, mas a sua natureza vai forçá-lo a fazê-lo.

    No caso do governo Dilma, o sapo é representado pela economia de mercado, e que, ao longo de seu primeiro mandato, poderá levá-la à reeleição em 2014. Na sociedade brasileira de hoje, com a classe média representando mais de 50% dos eleitores, o voto depende essencialmente da situação da economia no período eleitoral. Ideologia e imaginário representam muito pouco.

    A presidente sabe disso, pois seu criador --o presidente Lula-- ensinou-a nos anos de sucesso que compartilharam nas eleições de 2006 e 2010.

    Mas --como o escorpião da fábula-- o governo, parece que por sua natureza, não perde uma oportunidade para aferroar seu aliado na travessia do primeiro mandato. Nesta semana mais uma ferroada foi aplicada nas empresas privadas, permitindo que o governo interfira em contratos --assinados-- de concessão licitados anteriormente.

    Isso aconteceu no caso da medida provisória que regulou as condições em que serão realizados os contratos de concessão para exploração de portos e terminais de carga por empresas privadas. Repete-se o mesmo procedimento utilizado no caso recente do setor elétrico.

    O que mais chama a atenção do analista é a total falta de importância das novas regras em investimentos já realizados, principalmente nos anos FHC. Somente uma mesquinharia política --ou ideológica-- pode explicar esse procedimento.

    Sabemos que a concessão de serviços públicos ao setor privado é elemento fundamental para aumentar a oferta de serviços em vários setores da economia que esgotaram, ao longo dos últimos anos, sua capacidade operacional.

    Mas, para que isso aconteça, é necessário que as regras fixadas nos leilões respeitem as condições mínimas para que a atividade privada possa ser realizada com retorno compatível com as taxas de mercado e com os riscos incorridos e, ainda, com segurança jurídica. Até agora isso não vem ocorrendo.

    Nos dois primeiros anos de seu mandato, o governo Dilma tem procurado impor condições inaceitáveis ao capital privado, seja via taxas de retorno inviáveis ou por pouca clareza nas condições legais dos contratos firmados.

    A origem de tudo isso parece vir da contradição --como no caso do escorpião-- entre a necessidade de trazer o setor privado para realizar os investimentos necessários para acelerar o crescimento e a natureza estatista --em alguns momentos até soviética-- de boa parte da equipe da presidente.

    Esse dilema não existiu no período Lula, que conseguiu equilibrar de forma eficiente a dinâmica do setor privado para realizar seus investimentos e gerar crescimento e a de um governo que cuidava de interferir na forma como os frutos gerados seriam distribuídos.

    Essa receita, que deu certo e modificou a sociedade brasileira, representou o escorpião vencendo sua natureza e deixando o sapo carregá-lo com liberdade de uma margem à outra do lago.
    Infelizmente, em seus primeiros dois anos de governo, a presidente Dilma mudou a forma de interagir com a economia privada. Suas intervenções na economia acabaram por desestabilizar o pacto construído ao longo dos anos Lula.

    O resultado foi uma desaceleração do crescimento econômico --principalmente pela queda da confiança dos empresários nas regras do jogo-- de tal ordem que está criando condições políticas eleitorais totalmente diferentes das que prevaleceram nos anos Lula.

    Lentamente o veneno do escorpião está minando a resistência e o dinamismo do sapo, ou melhor, do setor privado.

    Erramos: O sapo e o escorpião

    luiz carlos mendonça de barros

    Escreveu até junho de 2015

    É engenheiro e economista, ex-presidente do BNDES e ex-ministro das Comunicações. É sócio e editor do site de economia e política "Primeira Leitura".

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