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    Luiz Carlos Mendonça de Barros

    O criador e a criatura

    13/06/2014 02h00

    Tenho acompanhado com muito interesse as manifestações públicas do ex-presidente Lula nesta entrada na reta final das eleições de outubro próximo. O foco principal da minha atenção tem sido suas reações diante do que ele classifica como "uma grande injustiça de parte da sociedade para com a presidenta Dilma Rousseff".

    Segundo suas palavras, os milhões de brasileiros que ascenderam ao que se convencionou chamar de classe média não poderiam estar expressando, nas inúmeras pesquisas de opinião pública, seu descontentamento com o governo. Afinal, a presidente tem hoje uma rejeição muito alta, e o total de brasileiros que classificam seu governo como ruim/péssimo voltou ao nível de junho do ano passado e já são mais numerosos dos que o avaliam como ótimo/bom.

    Lula –o verdadeiro criador desta classe média na opinião majoritária dos brasileiros– volta-se, portanto, contra a sua criatura. Este fenômeno, que pode ser encontrado com frequência na história da humanidade, precisa ser entendido por todos aqueles que acompanham os debates políticos de hoje.

    Espero contribuir,com as ponderações a seguir, para que o leitor da Folha entenda este conflito que atinge nosso ex-presidente.

    Primeiro vamos explorar melhor a natureza da criatura da qual estamos falando. Não gosto da expressão "nova classe média" porque ela não revela o aspecto mais importante dessa incrível mudança que ocorreu entre 2005 e 2010.

    Para mim, a caracterização correta dessa mudança é a passagem de milhões de brasileiros que viviam na economia informal para a economia formal. Isto é, dos brasileiros que não tinham uma carteira de trabalho e que hoje vivem com um contrato formal registrado legalmente.

    Ao cruzar esta fronteira, o cidadão passa a existir formalmente na economia, com acesso ao FGTS e a outros programas sociais, além de ter garantida por lei pelo menos a correção anual de seus salários pela inflação passada. Além disto, ele passa a ter acesso ao mundo formal do crédito ao consumo e dos serviços bancários.

    Em outras palavras, ele passa a ter um futuro mais previsível, deixando de lado as inseguranças e os sustos que caracterizam o mundo informal. Portanto, para mim, as diferenças entre uma classe e outra não são apenas os salários mais elevados que a simples passagem da classe D para a C pode sugerir.

    As estatísticas desse movimento migratório de um cidadão de segunda categoria do ponto de vista econômico para um indivíduo pleno são impressionantes.

    Antes do Plano Real, em 1993, apenas um terço dos brasileiros vivia no mundo formal. Hoje são 70% da população que vive na formalidade. Mas o grande movimento ocorreu nos anos Lula, principalmente depois de 2004, o que faz com que, para esse imenso número de brasileiros, a figura do criador seja associada a Lula.

    Mas essa nova classe de brasileiros, ao ganhar o status da formalidade econômica, também passa por uma mudança em seus hábitos e valores que não se restringe a uma sofisticação maior de sua cesta de consumo. São mudanças que atingem também outros valores, como o medo de perder o que ganhou nos últimos anos. O medo do futuro, quando a economia vai mal, passa a fazer parte de suas preocupações e de suas reações.

    Como já disse, ocorre com frequência em nossa história, a criatura –apesar do reconhecimento pelo o que ocorreu– passa a se afastar de seu criador. E isto parece estar acontecendo hoje com o governo Dilma Rousseff e seu criador político, Lula.

    Com a economia entrando em seu quarto ano de dificuldades, a nova classe de brasileiros está sentindo uma desaceleração importante em seus ganhos de renda e de qualidade de vida. Nada dramático, pois o emprego está preservado e a inflação está em um nível que não corrói ainda o poder aquisitivo dos salários.

    Mas os sinais de que a vida hoje é diferente da anterior são suficientes para criar certo sentimento de medo de perda. E isto está certamente sendo revelado pelas pesquisas.

    luiz carlos mendonça de barros

    Escreveu até junho de 2015

    É engenheiro e economista, ex-presidente do BNDES e ex-ministro das Comunicações. É sócio e editor do site de economia e política "Primeira Leitura".

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