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    Luiz Carlos Mendonça de Barros

    Brasil: um ajuste clássico

    27/06/2014 02h00

    Os dados econômicos mais recentes mostram que o ajuste pelo qual passa a economia brasileira continua sua marcha inexorável na direção de uma economia próxima da recessão. Mesmo o mercado de trabalho, que vinha resistindo à desaceleração econômica, começou a vergar-se sob o peso da queda do consumo e da confiança dos agentes econômicos –empresas e consumidores– no futuro.

    Em maio, as estatísticas do Caged, que consolidam as admissões e as demissões dos brasileiros com carteira de trabalho assinada, pela primeira vez em muitos anos apontam uma destruição de empregos formais, quando corrigidas pelo fator sazonal usado pela Quest Investimentos para o mês.

    Para que o leitor da Folha tenha uma ideia mais clara da desaceleração ocorrida no mercado formal do trabalho no período do governo Dilma, criei a tabela ao lado que mostra, para cada ano, a criação de vagas acumuladas em 12 meses.

    Editoria de Arte/Folhapress

    No restante do ano esta tendência de acomodação em vários setores da economia deverá agravar-se, pois o humor dos principais agentes econômicos tende a continuar em baixa. A proximidade das eleições, em um ambiente de forte competição, adicionará doses de precaução em grande parte das
    empresas, fazendo com que posterguem para 2015 as principais decisões de investimento.

    O leitor da Folha já conhece a minha opinião sobre este período tão fraco da atividade econômica: vivemos os movimentos iniciais de ajuste clássico de uma economia de mercado, depois que um longo período de crescimento e mudanças estruturais importantes criaram desequilíbrios de oferta e demanda.

    De certa forma o governo Dilma foi vítima da euforia pré-eleitoral de 2009 e de 2010, quando a cautela e o bom senso já indicavam a necessidade de um freio na euforia do consumo e dos gastos do governo.

    Os problemas que vivemos hoje foram agravados pela demora em reconhecer este ajuste cíclico e pela utilização de estímulos econômicos em desalinho com o caminho natural para evitar maiores dificuldades nesta situação: menos consumo –privado e do governo–, menos crédito e menos euforia na sociedade são remédios inevitáveis.

    E, como nos ensina a história, a parcela do setor privado que também deixou a euforia das vendas sempre crescentes contaminar seu planejamento dos negócios vai viver um período de extremas dificuldades. Juros nas alturas e vendas em baixas não deixarão de cobrar um elevado preço para algumas empresas. O melhor exemplo desta armadilha está no setor de automóveis, depois de um longo período de euforia e novos investimentos.

    Em poucos anos passamos de um mercado de menos de 2 milhões de veículos para outro de 3,5 milhões, com vendas turbinadas por um crescimento de renda de mais 4% ao ano e do crédito ao consumo que dobrou neste mesmo período.

    Vamos agora viver um final de década com taxas bem mais modestas de expansão do mercado e pela necessidade de diminuir os níveis físicos de produção. Uma experiência catalogada por Joseph Schumpeter, economista austríaco da primeira metade do século passado, como um processo de destruição criativa. No final de um curto período, a indústria terá menor capacidade de produção, mas com índices de eficiência e qualidade maiores dos verificados na última década.

    Outros setores vão passar pelo mesmo processo de ajuste, com resultados semelhantes ao do setor de veículos. O setor sucroalcooleiro deve ser um deles e vai viver de forma intensa o fenômeno da destruição criativa. Mas aqui a motivação criada por uma certa euforia nos anos Lula terá um efeito menor do que o da política de preços dos combustíveis operada pela Petrobras.

    luiz carlos mendonça de barros

    Escreveu até junho de 2015

    É engenheiro e economista, ex-presidente do BNDES e ex-ministro das Comunicações. É sócio e editor do site de economia e política "Primeira Leitura".

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