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    Luiz Carlos Mendonça de Barros

    China, uma leitura equivocada

    23/01/2015 02h00

    A divulgação dos principais dados da economia chinesa em 2014 permite ao analista mais cuidadoso uma leitura diferente da encontrada na imprensa internacional.

    Aliás, foi muito interessante verificar que os principais órgãos da mídia mundial –desde o prestigioso "Financial Times" aos mais importantes jornais brasileiros– trouxeram a mesma chamada em sua primeira página: "A China tem o menor crescimento econômico dos últimos 24 anos".

    Contei no Google pelo menos 35 jornais com manchetes similares. Ofuscados por essa leitura padrão, de abrangência mundial, informações relevantes sobre a segunda maior economia do mundo nos dias de hoje ficaram sem a devida consideração.

    Gostaria de trazer ao leitor da Folha o que me parece significativo para entender seu desenvolvimento recente e projetar os próximos anos, deixando de lado a leitura com tintas de catástrofe da mídia.

    Em primeiro lugar, é preciso entender o verdadeiro significado dessa abstração estatística chamada de Produto Interno Bruto de uma economia, conhecida em sua forma mais popular como PIB. O PIB representa a totalidade de renda gerada durante o período de um ano em uma sociedade, somando os ganhos monetários de pessoas, empresas e governo.

    Aqui vale uma primeira observação em relação à manchete que a imprensa mundial escolheu para chamar a atenção de seus leitores: fala do menor crescimento percentual em 24 anos, e não em termos monetários. E ninguém vive de percentagem para tocar sua vida.

    Se deixarmos de lado esse erro primário e nos concentrarmos na medida monetária dos principais itens do PIB divulgados, o quadro que emerge é muito mais rico e intrigante. Em primeiro lugar, a renda pessoal do chinês cresceu, em 2014, 8% quando medida em relação ao ano anterior.

    Em razão desse crescimento maior do que a taxa média da economia, a participação do consumo das famílias, pela primeira vez, ultrapassou os 51% do PIB. As vendas ao varejo cresceram, em 2014, mais de 12%, superando o crescimento da produção industrial, que chegou a 8,3% no mesmo período.

    Em outras palavras, a China caminha rapidamente na direção de uma sociedade de consumo. Ou seja, seu crescimento econômico não depende mais apenas dos investimentos do governo em projetos na infraestrutura do país, como estradas de rodagem e de ferro e a construção de residências nas suas grandes, médias e pequenas cidades.

    Essa é uma mudança fundamental para garantir a estabilidade de longo prazo de sua economia, como sempre defenderam os analistas mais lúcidos da realidade chinesa.

    Outro sinal claro dessa nova economia que está sendo construída no país de Mao Tsé-Tung vem do crescimento de dois dígitos na atividade de serviços em 2014. Telecomunicações, comércio eletrônico, alimentação fora do domicílio e principalmente turismo –interno e externo– representam hoje parte importante do PIB chinês.

    Mesmo no segmento de bens industriais, a demanda continua a crescer de forma vigorosa. Em 1994, as vendas de automóveis na China chegaram a 24,5 milhões de automóveis, com crescimento de 9% em relação a 2013. Para o leitor ter uma ideia da grandeza desses números, basta compará-los com os números nos Estados Unidos –18 milhões– e na Europa –12 milhões.

    Os setores que puxaram a taxa de crescimento do PIB para seu nível mais baixo em 24 anos –como ressaltado pela mídia mundial– foram os investimentos do governo e a construção de residências. No caso do mercado imobiliário, a taxa de expansão em 2014 foi negativa.

    Ora, esses setores que representaram na China o motor inicial do crescimento extraordinário dos últimos 24 anos já não tinham mais condições de fazê-lo, e sua substituição pelo consumo é uma mudança fundamental para a continuidade da marcha da sociedade chinesa para o posto de maior economia do mundo.

    Talvez a manchete mais adequada para a divulgação dos números do PIB de 2014 deveria ser a seguinte: "A China já é o maior mercado consumidor do mundo e deixa de ser uma sociedade de poupadores".

    luiz carlos mendonça de barros

    Escreveu até junho de 2015

    É engenheiro e economista, ex-presidente do BNDES e ex-ministro das Comunicações. É sócio e editor do site de economia e política "Primeira Leitura".

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