• Colunistas

    Thursday, 02-May-2024 03:40:17 -03
    Luiz Carlos Mendonça de Barros

    A cigarra e a formiga

    06/03/2015 02h00

    O aprendizado da economia não é feito apenas pelo conhecimento de modelos econométricos sofisticados. É necessário também incorporar experiências passadas, inclusive em sociedades distantes da que vive o analista. É o correto equilíbrio entre o racional/ideológico e esses ensinamentos que nos traz a história, que gera a sabedoria.

    O Brasil vive desde 2012 um desses momentos em que a experiência de ajustes cíclicos de outras economias não poderia ser esquecida. Infelizmente a presidenta Dilma tentou um caminho inviável, já percorrido com resultados negativos por outros governos de esquerda, e o Brasil colhe agora os frutos amargos de um ajuste tardio de sua economia.

    Uma das lições importantes, deixada de lado pelo governo Dilma, foi a de que existe uma taxa de desemprego a partir da qual as pressões no mercado de trabalho aceleram a inflação. É a chamada Nairu, sigla em inglês para Non-Accelerating Inflation Rate of Unemployment. Em outras palavras, taxas de desemprego muito baixas criam restrições importantes na condução da política econômica e precisam, portanto, ser levadas em conta pelos seus gestores.

    No fim da era Lula –e no início do primeiro mandato de Dilma–, a restrição da Nairu, bem como outros sinais da exaustão do modelo econômico na era do PT, não foi levada a sério e se tentou perpetuar a situação de pleno emprego via uma nova rodada de estímulos fiscais e monetários. O resultado foi a perda de controle da inflação e da âncora macroeconômica, marcos que serviram como uma sólida âncora de credibilidade nos anos Lula. Foi questão de tempo para que as expectativas dos agentes econômicos privados entrassem em colapso, levando a economia a perder dinamismo rapidamente.

    As eleições de outubro passado deram à presidenta uma segunda chance de mudar sua política econômica e tentar recuperar o tempo perdido. Mas o ajuste tardio terá custos e dificuldades muito maiores, pois a economia já está em recessão, e o ambiente político, mais difícil para que sejam aprovadas as medidas econômicas necessárias.

    Outro fator que dificulta o ajuste em curso é a falta de confiança dos agentes econômicos na perenidade do novo modelo. Aliás, na minha visão, esse é o grande teste para o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, nos próximos meses. O sucesso de sua política depende da mudança nas expectativas do setor privado em relação à sua capacidade de obter do Palácio do Planalto –e do Congresso– um apoio irrestrito para o ajuste fiscal e o controle do crédito nos bancos públicos programado.

    Um bom indicador para que acompanhemos essa luta pela credibilidade será o comportamento da taxa de câmbio e dos juros nos mercados futuros. No momento de grande tensão e insegurança que vivemos, a cotação do dólar passa a ser vista como um sinal de instabilidade, inclusive institucional, e de riscos bem mais sérios à frente.

    O fato de a desvalorização do real nos últimos meses ter sido superior à de outras moedas emergentes –mesmo sendo a taxa de juros reais no Brasil muito maior– é um sinal de que a falta de confiança é ainda alta.

    Somente a aprovação pelo Congresso das MPs editadas recentemente pelo governo pode reverter essa situação.

    Outro desafio a ser enfrentado pelo ministro será a dosagem das medidas de ajuste já tomadas –e as que ainda serão tomadas– pois a economia já mergulhou em um processo de contração forte –e autônomo– da demanda.

    Uma dose exagerada do remédio pode criar uma recessão muito maior do que a necessária para ajustar inflação e a conta-corrente, criando um looping fiscal para baixo de consequências graves.

    Se isso ocorrer, a deteriorização do ambiente político e do apoio ao governo na opinião pública acabará por criar condições muito frágeis de governabilidade, inviabilizando o programa do ministro.

    Termino esta minha coluna lembrando outro ensinamento que a história traz ao analista e que pode ser encontrado na conhecida fábula da cigarra e da formiga. É preciso se preparar com antecedência para o inverno, pois, quando ele chegar, as dificuldades serão muito maiores do que as que prevaleceram nos festivos e alegres dias do verão.

    luiz carlos mendonça de barros

    Escreveu até junho de 2015

    É engenheiro e economista, ex-presidente do BNDES e ex-ministro das Comunicações. É sócio e editor do site de economia e política "Primeira Leitura".

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024