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    Luiz Caversan

    O ópio do povo

    07/12/2013 03h00

    Quando me disseram pela primeira vez que o "futebol é o ópio do povo", fiquei triste, muito triste. Eu era bem jovem e idealista, e você, jovem, talvez nunca tenha ouvido dizer isso, mas é assim: o futebol serve para entorpecer corações e mentes das pessoas com as emoções que proporciona. De maneira que todos nos tornamos uns lesados, tontos e inebriados pelos gols, dribles e grandes defesas, permitindo assim que políticos e governantes nos explorem e nos enganem.

    Esta expressão e esta ideia derivam de outro dito famoso, "a religião é o ópio do povo", até onde lembro perpetrada por Karl Marx (1818-1883), mas certamente apropriada de pensadores mais antigos ainda.

    No fundo, a coisa é sempre a mesma: fortes emoções a cegar, entorpecer, nublar as ideias para que se possa ludibriar o povo, surripiá-lo em seus direitos, tirando-lhe o livre arbítrio.

    A tristeza daqueles 20 anos de idade, que com o tempo se transformou em convicção, advém da certeza de que é perfeitamente possível, na religião, acreditar em Deus, Jesus, Santo Antônio e desacreditar severamente dos políticos bandoleiros, reagindo a eles, assim como, no esporte, pode-se amar o futebol e abominar a ladroagem e a corrupção em suas múltiplas instâncias, combatendo-as.

    Futebol é ópio do povo foi expressão muito em voga durante a ditadura militar, principalmente na Copa de 1970, o campeonato do Tri, em que o ditador Médici, patrocinador dos porões da tortura, vestia o figurino do povão e de radinho de pilha na orelha corria para a galera, tentando mimetizá-la.

    Tentou de toda sorte utilizar imagem daquela fantástica seleção (Pelé, Jairzinho, Rivelino, Carlos Alberto, Tostão et caterva) para atrair a simpatia da população, inutilmente.

    Muitos cidadãos de bem morreram sob o tacão daquela ditadura, assim como muitos criticavam a tentativa de manipulação da Seleção para livrar a cara da imagem do ditador, e portanto muitos torceram contra o Brasil naquela copa como que numa equivocada tentativa de reação ao "ópio do povo".

    Ora, mas a gente, muita gente, era capaz de odiar Médici e chorar de alegria com os 1 a 0 contra a Inglaterra, com o fantástico 4 a 3 contra a Alemanha ou o deslumbrante 4 a 1 na final contra a Itália. E assim sobreviveu-se entendendo que uma coisa é uma coisa, a outra, simplesmente a outra...

    Mas a cada quatro anos a história mais ou menos se repete, sempre vem alguém querendo detonar a Seleção, o nosso futebol, nossos craques e tudo o mais que envolve o futebol em suas implicações políticas. Foi assim no resto da ditadura, 74, 78, 82, foi assim na redemocratização, foi assim nas conquistas do tetra, do penta, nas decepções na Alemanha, na França, e agora que a Copa é no Brasil, a chiadeira aumenta ainda mais.

    Ninguém é ingênuo a ponto de não ver todas as besteiras que se fazem ou que se tentam fazer neste país em nome da nossa paixão nacional --até isso criticam, paixão, ora bolas...

    Estão gastando demais? Certamente. Poderia gastar este dinheiro em outras coisas? Provavelmente. Mas daí a dizer que a Copa do Mundo no Brasil é um desastre e que não há como não ser contra, esta não, estou fora.

    Como torcedor do futebol brasileiro, sobrevivi a uma ditadura de vários ditadores e a muitas outras decepções (derrotas ridículas por conta de técnicos absurdos e "craques pernas de pau" ...) e não vai ser agora que irei mudar de ideia - apesar dos Marin, Blater e quetais.

    É uma questão de opção, e opto pela camisa verde e amarela.

    Vai Brasil!

    luiz caversan

    Escreveu até abril de 2016

    É jornalista e consultor na área de comunicação corporativa.

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