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    Luiz Caversan

    Rio 50 graus

    04/01/2014 03h00

    E eis que mais um ano "entrado" às margens do Atlântico, diante do deslumbrante espetáculo de fogos de Copacabana, ao menos em tese deve ter todos os componentes que se espera para se vislumbrar tudo de bom: um ano menos "mala" que 2013, mais tolerância, mais luz, mais dinheiro, mais amor por favor.

    É o que se quer, é o que se deseja, mas...

    Mas o já clássico "Rio 40 graus / cidade maravilha / purgatório da beleza e do caos" cantado em funk e prosa pela bela Fernanda Abreu prevalece, e cá estamos nós diante de todas as belas contradições e vicissitudes deste grande tambor que retumba o Brasil, que é a cidade do Rio de Janeiro.

    Na verdade, é o Brasil vestido de branco à beira mar, ou seja, perto de 2 milhões de pessoas participando daquela que talvez seja a maior festa popular do mundo, o Réveillon em Copacabana. E o estranho mesmo, a notícia, o curioso, quem já teve esta experiência sabe, é justamente quase não haver notícia, quase não haver incidentes graves num lugar e numa situação em que basicamente tudo poderia dar errado, e não dá. Ou quase...

    E o quase deste ano fica por conta da piada pronta que foi a tentativa desastrada de um oficial da PM apartar uma briga de casal pouco antes dos fogos da virada do ano.

    A doméstica Rosilene, 37, e o pedreiro Adilson, 34, se dirigiam à praia para as devidas homenagens a Iemanjá quando Adilson cisma que Rosilene está olhando para sei lá quem da multidão. Bate-boca instalado, eles chegam às vias de fato, e Adilson aplica um golpe de braço no pescoço da amada, a popular gravata, e está prestes a estrangulá-la, quando intervém o militar.

    Mas o que deveria ser um salvamento tornou-se um Deus nos acuda, porque o pedreiro tomou a arma do PM e começou a atirar. Outros policiais passam a atirar também e quando finalmente explode o espetáculo de cor e luz da vidrada do ano há um monte de gente caída à volta de Adilson, que jaz ainda com vida com sete balas no corpo.

    Dois dias depois ainda não se sabia ao certo quantos foram atingidos e nem se Adilson sobreviverá. Mas Rosilene, passadas as fortes emoções, não esconde uma certeza: vai perdoar o marido, com quem vive há 14 anos: "É o amor da minha vida. Quando estava ferido na calçada, ele segurou a minha mão e pediu desculpas por ter estragado o passeio da família", declarou a doméstica ao jornal "O Globo".

    Afora este episódio digno das crônicas de Nelson Rodrigues, estamos todos aqui cozinhando, porque não há o que faça frente a "40 graus com sensação térmica de 50 graus". Para quem não tem bem ideia do que isso significa, 50 graus Celsius é mais quente do que a sauninha da minha casa em São Paulo ou, como disse um amigo por aqui, fica assim quando abrem as porteiras do inferno.

    Demoníacas comparações à parte, o povo se diverte como pode no mar meio sujo, calor amplificado pela água que apenas pinga em parte das torneiras do litoral sudeste, e ainda ouve-se aqui e ali o grito que se espera ver transformado em realidade: feliz Ano Novo!

    luiz caversan

    Escreveu até abril de 2016

    É jornalista e consultor na área de comunicação corporativa.

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