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    Luiz Caversan

    A volta do pelourinho

    08/02/2014 03h00

    Eis que caminhamos celeremente adentro do 21º milênio, no bojo e no limiar das mais maravilhosas tecnologias. E eis que em meio à conexão total, integral, atemporal e aos avanços mais fantásticos da medicina, da globalização, das artes, da vida, o que resgatamos, de nosso passado maios tenebroso e repulsivo, para exibir ao mundo?

    O pelourinho.

    Sim, ressuscitamos o pelourinho –talvez tenhamos sido o último país do mundo a amarrar escravos num tronco para aplicar-lhes castigos, em nosso escravagismo tardio.

    E as cenas do garoto preso ao poste pelo pescoço no Rio de Janeiro demonstra nada mais nada menos que permanecemos ali, nas trevas.

    Lembrei do pelourinho ao ver a foto do garoto "justiçado" e lembrei de Gilberto Freyre e lembrei da casa grande e da senzala em que atolamos aparentemente para sempre.

    Fui dar numa versão eletrônica desta obra prima da sociologia brasileira, e eis que encontro as seguintes palavras de Freyre, a título de prólogo:

    "Eu ouço as vozes
    eu vejo as cores
    eu sinto os passos
    de outro Brasil que vem aí
    mais tropical
    mais fraternal
    mais brasileiro.
    O mapa desse Brasil em vez das cores dos Estados
    terá as cores das produções e dos trabalhos.
    Os homens desse Brasil em vez das cores das três raças
    terão as cores das profissões e das regiões.
    As mulheres do Brasil em vez de cores boreais
    terão as cores variamente tropicais.
    Todo brasileiro poderá dizer: é assim que eu quero o Brasil
    todo brasileiro e não apenas o bacharel ou o doutor
    o preto, o pardo, o roxo e não apenas o branco e o semibranco."

    O texto é da segunda década do século passado e revela a fé e o sonho do escritor.

    Sonho que se desfaz diante do pesadelo do rapaz preto amarrado pelo pescoço.

    Como não lembrar aqui de outro grande do pensamento brasileiro, Sergio Buarque de Holanda, que formulou o conceito do brasileiro cordial?

    A triste realidade da nossa intolerância desmente os dois geniais.

    Não, não somos cordiais –há os algozes e, pasme, quem os defenda desavergonhadamente.

    Não, o preto não se inclui em "todo brasileiro" –há os que se julgam acima de todos os demais e impõem sua ética fascista.

    Assim, a beligerância, a ignomínia, o ódio ascendem.

    Olho por olho, e assistimos impotentes ao triunfo da barbárie.

    Que vergonha...

    luiz caversan

    Escreveu até abril de 2016

    É jornalista e consultor na área de comunicação corporativa.

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