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    Luiz Caversan

    Tristeza no país da alegria

    01/03/2014 09h14

    Todo ano, sempre no primeiro dia de Carnaval, quando, como diria o cartunista Glauco, o Brasil "espouca a silibina", quer dizer, quando o povo se joga na folia, quando instaura-se o império da alegria, eu penso nos deprimidos.

    Penso no que chamei muito tempo atrás, aqui mesmo, de "paradoxo do país da alegria".

    Ou seja, ao mesmo tempo em que milhões estão sassaricando por aí, extravasando uma felicidade às vezes genuína, às vezes anabolizada por estímulos diversos, muitos, mas muitos mesmo, estão se perguntando: por que eu não consigo compartilhar dessa animação toda? Por que, enquanto todos estão felizes, cantando, brincando, eu estou aqui...deprimido?

    Talvez não haja situação pior para aqueles que enfrentam a depressão no seu dia-a-dia do que a alegria generalizada. Nada mais excludente, paralisante, nada mais incapacitante para esse número cada vez maior de vítimas da "doença do século".

    Não é possível dizer que seja melhor ou pior enfrentar a depressão no Brasil, na Alemanha, no Peru ou no Alasca.

    Mas creio que seja muito mais difícil justificar a própria existência quando se é obrigado a suportar uma personalidade melancólica em meio à zorra que toma o país de norte a sul.

    No entanto, como qualquer portador da depressão sabe muito bem, assim como devem saber seus familiares, a luta contra este mal é diária, contínua e muitas vezes sem fim.

    Vale lembrar aqui a metáfora: a depressão se instala e permanece no organismo de uma pessoa assim como cupins infestam uma casa: lenta e silenciosamente.

    Entram pelas bordas, ocupam todos os cantos mais recônditos e vão devorando, quieta e permanentemente, seu hospedeiro.

    Quando o dono da casa menos espera, eles desabrocham com todo seu vigor, e portas, armários, móveis, pisos e divisórias estão irremediavelmente comprometidos.
    Com a depressão ocorre a mesma coisa...

    Com a diferença de que no caso da depressão há que se viver em uma sociedade que, sobretudo em momentos de mobilização coletiva, não está nem aí para quem não se encontra no mesmo ritmo, na mesma vibe.

    Estar triste no Carnaval é quase imoral, praticamente ilegal.

    Por isso não tenho como deixar de me solidarizar com os que estão agora mesmo remoendo sua tristeza e melancolia, sem entender direito como as pessoas podem ser tão felizes à toa.

    Gente que torce para a chegar logo a quarta-feira...

    luiz caversan

    Escreveu até abril de 2016

    É jornalista e consultor na área de comunicação corporativa.

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