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    Luiz Caversan

    Torcer pelo Brasil

    15/03/2014 03h00

    Essa gente bronzeada (ou branquela mesmo) que quer mostrar seu valor talvez não saiba, mas na década de 70 era assim: ame-o ou deixe-o.

    Ou você era a favor de tudo o que a ditadura militar fazia "pelo" país –desenvolvimento a qualquer custo, Transamazônica, inflação artificialmente controlada, miséria longe da mídia por conta da censura, divergências políticas dirimidas no pau-de-arara, leis de exceção, Esquadrão da Morte, gente presa e desaparecida etc.– ou você era subversivo.

    E ser subversivo significava estar sujeito às tais leis de exceção, ser preso sem acusação formal, ser torturado no pau-de-arara, desaparecer...

    Não havia meio termo, ou era ou não era, ame-o ou deixe-o.

    Como se de repente eu, que por exemplo não concordava de jeito nenhum que prefeitos, governadores e presidente fossem nomeados ou eleitos por "voto indireto", pudesse arrumar uma malinha e me mudar para Pasárgada.

    Como se sabe, não havia –e não há– Pasárgada.

    Na Copa de 1970, a do tricampeonato brasileiro, o ditador era o Emilio Garrastazu Médici, que nós, subversivos, chamávamos perigosamente de Garrafazul.

    O Médici quis "roubar" a Copa do povo. Quis que ela fosse do regime, dos militares: bateu bola com jogadores na concentração, deu pitaco na escalação, posou para fotos com radinho de pilha (não tinha fone de ouvido...) colado na orelha, dizem que até mandou tirar o João Saldanha, subversivo, e colocar o Zagallo no posto de treinador...

    Mas, iniciados os jogos, ninguém mais deu muita bola pra ele, porque a seleção, o Brasil, a Copa era maior do que aquilo tudo. E não importava se fosse uma ditadura ou se fosse o paraíso, o que valia mesmo era a vitória dentro de campo.

    E o Brasil foi Tri e o povo comemorou cada jogo e cada vitória como se vivesse numa linda e bela democracia - não era, continuou não sendo e a Copa e o Tri pouco ou nada importaram quanto a isso.

    Houve aqui e ali algum movimento para que a Copa de 70 fosse boicotada, que se torcesse contra a seleção, porque senão estaríamos "a favor" dos militares.
    Não teve jeito.

    Passada praticamente uma vida inteira, 44 anos, alguma coisa semelhante vai acontecer.

    Não vai ter Copa?

    Podem gritar, espernear, podem atirar pedra, podem 'blockblocar' quanto quiserem.

    Mas vai ter Copa, sim, e, como sempre, eu vou torcer pelo Brasil.

    Assim como em 70 não se tratava do Brasil do Médici e nem dos torturadores, agora também não é o Brasil do PT nem da Dilma nem Joaquim Barbosa nem mesmo do chato do Galvão Bueno –como, de resto, a Copa de 86 não foi de Sarney, a de 90 do Collor ou a vitória de 94 do Itamar...

    É simplesmente a Seleção Brasileira de Futebol que, tomara, vai ganhar a Copa do Mundo do Brasil.

    Olha, eu quero deixar claro que eu também sou contra quase "tudo isso que está aí", viu?

    Corrupção, lucros astronômicos dos bancos, monopólios da informação, saúde e educação precárias, polícia truculenta, obras superfaturadas...

    Mas não vai ter jeito, como aconteceu em todas as minhas 13 copas anteriores, sei que na hora H vou me emocionar com a entrada dos jogadores, vou cantar junto o hino nacional, vou xingar o juiz e vibrar com cada jogada do Neymar, um gênio.

    E, emoção suplementar, pela primeira vez vou fazer tudo isso tendo ao lado o meu neto, para quem, aliás, já comprei uma camisa oficial da Seleção.

    A velha e boa número 10.

    luiz caversan

    Escreveu até abril de 2016

    É jornalista e consultor na área de comunicação corporativa.

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