• Colunistas

    Wednesday, 08-May-2024 17:48:16 -03
    Luiz Caversan

    As peladas

    06/12/2014 05h56

    Na última vez que estive em Berlim, passeando pelo principal parque da cidade, o Tiergarten, encontrei vários cidadãos, de ambos os sexos, tomando banho de sol - na verdade um arremedo de sol de um abril friorento - totalmente peladões.

    Ali, na boa, passando protetor solar nas partes, alguns com óculos escuros, outros simplesmente como vieram ao mundo.

    Vi um casal chegando como um casal chega no paulistano Ibirapuera, e era assim: botavam as coisas deles na grama, estendiam uma espécie de canga, tiravam calmamente a roupa, expondo todos os seus predicados bem branquinhos, e esparramavam-se.

    Não contive o comentário: "Ah, e brasileiro que é sem vergonha, né? O pessoal aqui não tem vergonha nenhuma!"

    Na verdade, nem teria por que haver vergonha: tratou-se de uma das cenas mais naturais, menos sexys, menos eróticas que se pode imaginar.

    Tanto que ninguém que passava por perto parecia se incomodar com os pelados, realmente tanto os muitos transeuntes quanto os nudistas não estavam nem aí uns com os outros...

    Lembrei desta cena por conta de outra recente, a da moça que tirou a roupa numa agência bancária de Sorocaba (interior de São Paulo) esta semana.

    Presa na bendita porta giratória e instada a mostrar todos os seus pertences, não teve dúvidas: mostrou mesmo!

    Quer dizer, mostrou quase tudo, porque quando ela estava de calcinha e sutiã, e antes que a coisa esquentasse mais, resolveram liberar a moça.

    Mas foi o suficiente para, como se diz hoje em dia, causar: a pelada sorocabana (que contrapôs o constrangimento que ocasionou ao constrangimento de todos nós que um dia já ficamos presos em portas giratórias de bancos) virou notícia em todo o país.

    Da mesma forma que foram notícia as peladas de Porto Alegre, lembram? Aquelas três que tiraram a roupa para dar umas voltinhas pela capital gaúcha, sem motivo aparente. Uma disse que era para protestar, outra que aquilo era muito natural, da outra não se soube se houve motivos. Mas todas também causaram.

    O fato incontestável: nudez é notícia no Brasil.

    Uma (mais uma dentre tantas...) baita contradição deste país, não?

    País em que a peladice impera em todos os canais de TV, na época do Carnaval ou nos carnavais fora de época e, claro, nos milhares de quilômetros de nossas costas quentes (ops!) ou de nossas praias. Não peladice total, evidentemente, porque afinal de contas somos pudendos. Mas uma nudez escondida de tal maneira e por tão pouco pano ou acessório que mais mostra do que esconde.

    Afinal, o que é um biquíni fio dental como os usados em Ipanema ou pelas moças do Pânico na TV senão uma manifestação explícita de sarcasmo?

    *

    Um aviso aos manifestantes que querem porque querem entrar no Congresso Nacional para tumultuar a bagaça toda lá, alegando que aquela é a "casa do povo": sim, é a casa do povo. Mas a coisa funciona assim, ó: aqueles caras todos que estão lá dentro foram eleitos por vocês (e por todos os que votam em deputados e senadores) justamente para representar o povo. Não existe democracia direta no país, lembre-se, isso é "coisa de comunista!", embora nenhum país comunista tenha conseguido de fato esta faceta.

    Ah, mas você não está contente com os caras que estão lá? Então mãos à obra: eleja outros!

    Tentar fazer política no grito dá mídia, sim, mas não funciona...

    luiz caversan

    Escreveu até abril de 2016

    É jornalista e consultor na área de comunicação corporativa.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024