• Colunistas

    Friday, 17-May-2024 04:55:28 -03
    Luiz Caversan

    Cuidado: deprimido não é terrorista

    28/03/2015 02h00

    As informações oficiais dando conta de que o jovem copiloto da Germanwings que teria ocasionado a tragédia aérea anos Alpes franceses seria vítima de depressão precisam ser tratadas com muito cuidado. E vincular diretamente este fato ao seu até agora suposto ato tresloucado é não apenas pura especulação como até mesmo leviandade.

    Deprimido não é homicida.

    Deprimido não é terrorista.

    Deprimido pode sim se suicidar, e chega a fazer isso, mas em casos extremos, e não leva junto com ele centenas de pessoas inocentes.

    Não existe literatura médica que associe o estado depressivo, que se não for devidamente tratado pode (veja bem, pode!) levar à tentativa de suicídio, a uma ação como a de dias atrás, em que supostamente (o supostamente ainda precisa ser empregado aqui...) o rapaz de 28 anos tirou a vida de 150 pessoas.

    "O deprimido é sobretudo uma pessoa que se sente culpada, e quem se sente culpado não faz uma coisa dessas", alerta o psiquiatra Jair Mari, professor titular da Universidade Federal de São Paulo e uma das maiores autoridades brasileiras neste assunto.

    "É preciso muita calma, avaliar uma série de outros fatores, porque este parece ser um caso inusitado. Pode ser que haja algum transtorno de personalidade associado ou mesmo outros fatores externos, porque apenas a depressão não justifica isso", afirma Mari.

    Além do que, lembra Mari, "nem sempre é possível explicar o comportamento humano...".

    Existe um conceito médico, fruto de estudos e observações de longa data, segundo o qual há quase que um roteiro que a pessoa deprimida segue antes de chegar às vias de fato. Em geral a pessoa que está sofrendo muito e não vê saída para a situação desesperadora em que se encontra, ela primeiro cogita por fim à própria vida. Depois, pode chegar a planejar como fará isso. Em seguida, poderá tentar, tendo êxito ou não. Isto é mais ou menos clássico.

    Jair Mari concorda com este "roteiro" e o usa para reforçar seus argumentos que relativizam a depressão sob suspeita neste caso: "Não se pode aceitar que uma pessoa que seja apenas deprimida planeje levar 149 pessoas junto com ela. O rapaz pode nem ter percebido que estava ocasionando aquelas mortes todas, mas por outro motivo, que não a depressão, quem sabe um transtorno de personalidade. Ou então estava deliberadamente causando aquelas mortes num ato de rebeldia ou terrorismo, mesmo".

    A preocupação maior de Mari é com relação a um fator que qualquer pessoa que passou por algum episódio de depressão conhece bem e teme bastante: o estigma.

    Não se pode associar esta doença –que causa muito sofrimento, mas é perfeitamente tratável– a um ato como este sem estar sendo injusto e colocando sob suspeita milhares de pessoas que convivem diariamente com o transtorno.

    "Quem se trata da depressão pode levar uma vida normal, trabalhar, inclusive pilotar aviões, como devem existir muitos casos por aí. Quem se cuida adequadamente da depressão não se suicida", garante Mari.
    Muito menos causa tantas mortes como as ocorridas nas montanhas geladas da França.

    luiz caversan

    Escreveu até abril de 2016

    É jornalista e consultor na área de comunicação corporativa.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024