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    Luiz Caversan

    Salvando crianças

    25/04/2015 02h00

    A história mais comovente dos últimos tempos é a de Crocodilo Gennadiy, da Ucrânia, que li na Vice, plataforma de mídia que a Folha, felizmente, passou a publicar.

    O cara é um ex-soldado que não se conforma com o número de crianças viciadas em drogas que perambulam pelas ruas da Ucrânia, muito menos com a ineficiência dos serviços públicos que deveriam atendê-las, mas não o fazem.

    E o que ele faz?

    Simplesmente sequestra estes seres que estão afundados na lama e os leva para uma fazenda de reabilitação improvisada. Simples assim.

    Claro que tanto o ex-soldado quanto seu "método" são alvo de polêmica, crítica e acusações, com gente questionando o seu direito (ou falta de...) de interferir de maneira "autoritária" na vida das pessoas.

    Mas são crianças, crianças abandonada pelos pais ou que os perderam, sem eira nem beira, entregues, sujas, doentes, no fundo do poço.

    Mas é sabido e determinado por lei que cuidar delas é dever do Estado, tanto lá na longínqua Ucrânia quanto cá em São Paulo.

    Se o Estado não cumpre seu papel, paciência...

    Paciência?

    Este foi justamente o sentimento que eu não senti quando um tempo atrás levei uma italiana amiga de uma amiga que trabalha com recuperação de drogados em seu país para conhecer a cracolândia de São Paulo.

    Como se sabe, ali naquele pedaço da cidade estão os zumbis da nossa pós-modernidade, o rebotalho que a maior e mais rica cidade do país vomita nas ruas e lá os abandona, como subseres.

    Sim, há algum serviço social, poderes públicos tentam de alguma forma dar conta do problema. Sim, há algum movimento da sociedade, via ONGs, que tenta algum amparo.

    Mas não rola, as abordagens e os tratamentos propostos não são suficientes para diminuir significativamente esta população desvalida, hoje já praticamente incorporada à cidade ou a parte dela.

    Quando andei por entre aquelas pessoas o que mais senti foi uma grande frustração por não ter o que (eu) pudesse fazer para ajudá-las.

    A vontade que tive foi a mesma que senti tempos depois diante do meu sobrinho alcoólatra crônico que resolvera abandonar qualquer resquício de vida e dignidade e se entregar de vez a um litro de vodca vagabunda por dia. Durante uma visita e tentativa de ajudá-lo, a vontade que tive foi de abraçar, agarrar meu sobrinho e obrigá-lo a se internar numa clínica ou onde fosse para que ele não bebesse mais, não se drogasse mais, não morresse. Mas eu não pude fazer isso, ele estava consciente e demonstrava alguma lucidez e portanto nenhuma clínica, hospital ou qualquer coisa do gênero o aceitaria (como não aceitou...) se ele não concordasse em ser internado.

    Não foi internado, não se tratou e logo depois morreu de tanto beber.

    Por isso quando li a história do Crocodilo Gennadiy me veio um misto de excitação e tristeza. Excitação ao pensar, caramba, que cara corajoso, mete as caras e salva vidas de crianças. E tristeza por não ter feito o mesmo, ou algo parecido, com meu sobrinho e ser obrigado a conviver com a culpa de quem sente que de alguma maneira deixou de agir.

    Agir como? Fazer o quê?

    O cara lá na Ucrânia sequestra crianças que vão morrer de tanta droga e pelo menos tenta alguma coisa.

    Por aqui? Bem, por aqui a gente acha que os nossos "nóias" deixam a cidade mais feia...

    luiz caversan

    Escreveu até abril de 2016

    É jornalista e consultor na área de comunicação corporativa.

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