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    Luiz Caversan

    Uma nova luz sobre a depressão

    22/08/2015 02h00

    Recente artigo publicado em "The Atlantic" - uma das mais antigas, prestigiosas e bem feitas revistas do mundo - dá conta de que, finalmente, abre-se um novo caminho no combate à depressão.

    Depois de anos girando em torno de um certo tipo de medicamentos, os mais eficientes criados até agora, diga-se, mas que não conseguiam avançar em muitos casos da doença, crânios do Instituto Nacional de Saúde Mental dos Estados Unidos estão a estabelecer um novo paradigma no enfrentamento deste que já foi chamado de mal do século (20), cuja história é tão antiga quanto a da medicina e que só muito recentemente tem permitido que seus portadores pudessem sair (ainda não totalmente...) da escuridão do preconceito e do estigma em direção de uma vida mais digna.

    Até agora, buscou-se medicamentos e terapêuticas que atacassem a depressão como um todo, numa abordagem apelidada de "one size fit all", ou seja, algo "tamanho único" ou um só tratamento para todo mundo com depressão. O futuro, garantem os especialistas americanos, é detectar, abordar e tratar cada sintoma da doença especificamente.

    Esta é uma grande novidade.

    O novo sistema, criado pelo cientista Bruce Cuthbert, foi batizado de RDOC, sigla em inglês para Critérios de Domínio da Investigação, e surgiu do enfrentamento de uma constatação mais ou menos óbvia, ou seja, a de que os tratamentos mais modernos da depressão atacam todos os sintomas ao mesmo tempo, prioritariamente trafegando no campo dos neurotransmissores, de preferência atuando para aumentar a produção e/ou a circulação da serotonina no organismo, para aumentar o bem estar do paciente.

    Acontece que estes medicamentos, os chamados ISRS, ou inibidores seletivos de recaptação da serotonina, nem sempre atingem o objetivo almejado, demonstrando que em muitos pacientes o problema não se restringe (ou não tem a ver mesmo com...) à serotonina.

    Antes disso, uma outra constatação sempre intrigou os cientistas, que é o fato de que diferentes pessoas com depressão apresentarem sintomas diametralmente opostos. Como tratar com o mesmo remédio alguém que vive com sono e alguém que tem insônia permanente, alguém que come descontroladamente e engorda e alguém que perdeu completamente o apetite e emagrece, uma pessoa que passa o dia todo muito triste e outra que alterna momentos de tristeza profunda com outros de perfeita normalidade?

    Numa definição para leigos, Cuthbert disse à "Atlantic" que encarar todas estas pessoas da mesma maneira seria como "comparar maçãs, peras e tangerinas..."

    Ao enxergar cada "fruta" com suas propriedades e características específicas, este sistema pretende justamente avançar na individualidade de problemas que não têm sido satisfatoriamente solucionados.

    Por exemplo, pacientes com depressão profunda respondem bem aos medicamentos à base de ISRS, enquanto portadores de transtornos leves não melhoram. Pior: em muitos casos _ como foi o meu próprio, anos atrás - não só o problema não se resolve, com surgem diversos outros, provocados pelos efeitos colaterais de medicamentos como Prozac ou Zoloft etc.

    Como tudo nesta área, as coisas não andam muito depressa, mas a mudança de conceito no seio de uma instituição tão importante como a entidade americana é muito significativa,

    O que é mais emblemático para mim, que por interesse próprio acompanho este tema há quase duas décadas, é que esta abordagem se aproxima muito, conceitualmente, de um sentimento absolutamente comum aos deprimidos, que é o de que seu mal é particular, único, pessoal, específico, profundo e aparentemente sem solução.

    Talvez, afinal de contas, não seja...

    luiz caversan

    Escreveu até abril de 2016

    É jornalista e consultor na área de comunicação corporativa.

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