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    Luiz Caversan

    Vamos falar dos professores maus?

    17/10/2015 02h00

    Muito legal a iniciativa que rolou esta semana de tanta gente homenagear nas redes sociais velhos e queridos mestres no Dia do Professor, lembrando seus nomes, sua trajetória, histórias de vida, publicando fotos e relatando momentos felizes.

    Bacana, no ano passado, também em outubro, eu mesmo relembrei e homenageei minha querida professora do primeiro ano primário, cujo nome jamais esqueci, tanto bem ela me fez: Benedita Célia Paparelli Leme.

    Mas este ano não fiquei lembrando da Dona Benedita, não.

    O que me veio à cabeça, na verdade, foram sentimentos de outra natureza. Foram recordações daquele tipo que você gostaria de ter esquecido, mas que ficaram por aqui, grudadas.
    Péssimas recordações...

    Que atire a primeira pedra quem não se lembra de um professor, seja em qual época de estudo for, que adorava infernizara a vida de seus alunos. Quem não conheceu um monstro da escola, autoritário, arrogante, que punia, perseguia, humilhava, traumatizava seus alunos, como se suas vidas estivessem –e em geral estavam mesmo– nas suas próprias mãos?

    Em maior ou menor grau, quase todos nós conhecemos, quando não fomos vítimas diretas, de um professor assim, malvado, punitivo.

    Eu conheci vários, infelizmente que nada contribuíram para a minha formação, muito ao contrário, e que por motivos diversos tinham como objetivo demonstrar a todo instante e por qualquer razão que odiavam aquilo que faziam –ensinar– e desprezavam aqueles a quem deveria se dedicar.

    Conscientemente ou não, confundiam violência com disciplina e autoritarismo com rigor, para desespero de seus alunos.

    A mais remota lembrança vem do grupo escolar na Penha, que abrigava uma professora que foi minha felizmente por pouco tempo, meio ano apenas, tanto que não lembro seu nome. O "esporte" preferido da tal professora era dar beliscões em quem ela julgava não estar prestando atenção. Não só: crianças de 10 anos levavam tabefes pelo simples fato de não responderem prontamente a uma pergunta, eram também colocadas de castigo e humilhadas na frente de todos por qualquer razão ela julgasse pertinente –uma camisa manchada, um botão aberto, por exemplo.

    A régua era um contumaz instrumento de tortura e cumpria seu papel, ou ao menos o papel que a professora esperava dela: causava medo, subserviência, verdadeiro pavor...

    Mesmo repensando isso aqui agora, não consigo encontrar um único motivo para entender ou aceitar que ela pudesse ter feito algum bem para seus alunos.

    Era odiada, e talvez gostasse disso.

    O segundo da lista já aparece no ginásio, na Vila Granada, zona leste da cidade. Professor Antônio tinha um defeito físico que não merece ser mencionado, o qual não o impedia, no entanto, de arremessar coisas nos alunos.

    Alguém se mexendo na carteira, olhado pro lado ou falando com o colega? Na mesma hora explodia um giz na cabeça do infeliz. Quando não era um lápis que ele atirava, ou uma caneta, uma régua e o que mais encontrasse pela frente.

    Até que um dia acertou um apagador de madeira num garoto e foi o maior fuzuê. O menino foi levado para a diretoria e, na volta, ficamos sabendo que ele ainda levou uma bronca do diretor, foi convencido a não mencionar o incidente em casa, e ficou tudo por isso mesmo. Detalhe: o "bondoso mestre" era sobrinho do diretor da escola, ele mesmo um professor também dado a explosões incontroláveis de raiva, no seu caso certamente estimuladas pela bebida que notoriamente consumia –vivia fedendo a álcool.

    Mais para a frente teremos, no Tatuapé, o inesquecível "mister Albert". Ah, este me vem aqui agora, na minha frente, em cores: norte-americano, janota, louro e sempre de paletó claro e gravata.

    Um sádico!

    Um arrogante que não poupava atos e palavras para demonstrar todo o seu desprezo por nós míseros boçais ignorantes que teimávamos em não conseguir aprender a única língua no mundo que presta de verdade, obviamente a língua dele...

    Quanta perseguição, quantos castigos, quantas notas injustas, porque não conseguíamos acompanhar a didática que ele não tinha ou captar os ensinamentos que ele não transmitia.

    Eu sofria um bullying particular, porque tenho desde criança uma deficiência auditiva que dificultava (e dificulta ainda) enormemente a compreensão de qualquer língua estrangeira. E o mister Albert fazia questão de explorar este problema, expondo-o a toda a classe e me humilhando perante todos.

    Nunca superei direito os traumas desta época, tanto que até hoje tenho muita dificuldade com o inglês.

    Este problema linguístico, diga-se, teve um "upgrade", digamos assim, já na época da famosa faculdade, então por conta de outra gringa, a famigerada Diana (Daiana, claro...).

    Que peste!

    Tratava-nos como se fôssemos crianças imbecis, ela também inconformada com a dificuldade do pessoal de aprender sua língua, quando na verdade o que faltava a ela era competência e jeito para conquistar seus alunos, mostrar a eles o encanto que é a língua de Shakespeare e o quanto ela nos seria útil e prazerosa. Só que não...

    Há outros casos, como o do velho e rancoroso professor de jornalismo que tinha prazer em dar notas baixas para aqueles alunos que já estivessem trabalhando em algum veículo (meu caso...), sua maneira de extravasar a frustração de nunca ter publicado nada de importante na vida...

    Mas estes exemplos na verdade bem radicais bastam, servem de contraponto.

    Sim, que bom lembrar dos grandes mestres que nos conduziram na escola da vida.

    Mas que pena não poder "deletar" aqueles maus professores, ou professores maus, que infelizmente caíram no nosso caminho...

    luiz caversan

    Escreveu até abril de 2016

    É jornalista e consultor na área de comunicação corporativa.

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