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    Luiz Caversan

    O primeiro assédio ninguém esquece

    24/10/2015 02h00

    Nem deu tempo de ficar completamente chocado com o assédio virtual sofrido pela menina que participa do programa culinário infantil da TV, na verdade nem deu tempo de ver o programa em si, porque a onda que se criou a partir do evento maligno que foi o assédio sexual virtual à criança, é avassaladora. E esta sim chocante.

    Alastrou-se nas redes sociais (principalmente Twitter e Facebook) a hashtag #oprimeiroassedio por meio do qual centenas de mulheres de diversas classes, origens e formação contam como foram assediadas por homens adultos quando eram crianças. Casos e mais casos, um mais humilhante que o outro.

    Homens em geral próximos, conhecidos, quando não parentes, que iam para cima de crianças cuja sexualidade ainda não tinha se desenvolvido, suas defesas estavam incipientes e seu entendimento de mundo era restrito.

    Os detalhes são variáveis, muitas vezes sórdidos, nojentos, mas um denominador comum emerge da imensa maioria dos relatos e chamou a atenção: as moças recordam que, naquela idade e naquela situação, acabavam sufocadas por um imenso sentimento de culpa, como se elas fossem responsáveis pela agressão, o que no mais das vezes fazia com que não denunciassem o abusador e aguentassem caladas o assédio. E o trauma se consolidava, para a vida toda...

    Interessante perceber a perversidade da situação a que tanto crianças bolinadas quanto mulheres estupradas são submetidas na nossa sociedade: a menina é culpada por "ser gostosa" e assim despertar o desejo do homem. A mulher adulta se veste "indecentemente", deixa à mostra partes de seu corpo, o suficiente para, do ponto de vista do macho dominador e violento, justificar suas investidas. Quem mandou?

    E este esquematismo cruel e covarde é institucionalizado. Tanto que nossos probos parlamentares acabam de aprovar numa comissão, medida que veta atendimento médico para que mulheres que foram vítimas de estupro possam praticar aborto com assistência médica e segurança.

    Uma vergonha, uma indecência.

    Outra indecência, na verdade, porque também a partir do movimento das moças revelando suas tristes experiências quando ainda crianças foi acompanhada de um enxame de baixarias, provocações, piadas e ofensas por parte de homens que julgam isso tudo muito normal, ou seja, o corpo feminino é sim um objeto de que eles podem dispor ao seu bel prazer, não importando nem mesmo a idade.

    E não tenho dúvidas de que aqui mesmo haverá comentários dessa ordem, afinal os cafajestes estão em toda parte, não é mesmo?

    Mas por favor, que apareçam de verdade, revelando seus nomes e mostrando sua cara, para que possamos desprezá-los com todo o fervor.

    luiz caversan

    Escreveu até abril de 2016

    É jornalista e consultor na área de comunicação corporativa.

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