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    Luiz Caversan

    Reputações perdidas no ciberespaço

    20/02/2016 02h00

    A Folha de S. Paulo, jornal em que trabalhei durante duas décadas e em cuja versão digital publico esta coluna desde 2000, é certamente o veículo de comunicação impressa que tem, no país, o melhor mecanismo para reconhecer e corrigir suas falhas.

    Além de manter, de forma pioneira, um ombudsman para atuar como "advogado do leitor", publica diariamente a seção "Erramos", na qual informa as impropriedades cometidas e procura corrigi-las.

    Não é um mecanismo perfeito, vira e mexe é alvo de críticas e ironias, mas trata-se da maneira mais transparente e sistemática com que um veículo da grande imprensa põe o dedo permanentemente em suas próprias feridas.

    Pois o famoso Erramos, o direito de resposta e pequenos e grande erros e os danos à reputação foram os principais pontos da discussão travada nesta semana em seminário alusivo aos 95 anos da Folha, durante mesa de debate que reuniu o professor Caio Túlio Costa, hoje um dos principais teóricos da informação, sobretudo digital, do país e o primeiro jornalista a desempenhar a função de ombudsman na Folha; a jornalista Tânia Alves, ombudsman do cearense O Povo, único veículo além da Folha a manter esta função, Júnia Nogueira de Sá, que também ocupou o posto na Folha, e a atual titular, Vera Guimarães. (Detalhe: a palavra ombudsman é sueca, por isso não se escreve ombudswoman no caso das moças, ok?)

    A tônica do debate foi justamente a impossibilidade de reparar definitivamente erros cometidos em publicações jornalísticas, mesmo quando há ferramentas como o Erramos da Folha e mesmo, como defenderam alguns, que estas ferramentas sejam ampliadas. Ampliadas a ponto, por exemplo, de um erro cometido numa manchete de primeira página de um jornal ser corrigido também na primeira página, com o mesmo tamanho e mesmo destaque. Lembre-se aqui que a maioria dos veículos de comunicação do país, quando o fazem, corrigem seus eventuais erros de maneira muito tímida.

    Mas a questão que acendeu as discussões no seminário, e já inúmeras vezes abordada aqui mesmo nesta coluna, foram as redes sociais, este fantástico manancial de conhecimento que se converte rapidamente em terrível repositório de inverdades, desinformação e intolerância.

    No caso extremo de um jornal ou uma revista publicar um erro numa manchete de primeira página e já na edição seguinte corrigir este mesmo erro –seja por iniciativa própria ou atendendo ao direito de resposta agora previsto em lei– também em manchete e com o mesmo destaque, ocorrerão dois problemas: primeiro o estrago já estará feito, porque ninguém garante que a correção terá a mesma repercussão e atingirá todos os leitores alcançados pela primeira informação, que assim permanecerá como verdadeira; e, segundo, a informação errada estará fora de controle de quem quer que seja, autores ou personagens.
    Por responsabilidade das redes sociais.

    Pelo simples fato de Facebook, Instagram, Twitter etc. já terem dado à primeira informação uma dimensão e uma "territorialidades", digamos assim, que transcenderá o universo de leitores daquele jornal ou revista.
    E ainda que novamente no caso extremo de o próprio veículo buscar estas ferramentas para tentar a todo custo bloquear o fluxo da informação incorreta junto aos usuários do ciberespaço, e boa parte destes internautas também se dispuserem a corrigir o erro, isso nunca acontecerá com todos aqueles milhares ou milhões que promoveram a propagação da primeira informação errada. Esta portanto já ganhou vida própria, multiplica-se e estará colada inexoravelmente à imagem do personagem da informação, em princípio para sempre.

    Se no passado pré-digital uma informação incorreta ficava restrita aos arquivos físicos do veículo que a publicou e àqueles que os acessassem, sempre de maneira restrita, hoje ela está indexada, "em cache", à disposição de Google e demais mecanismos de busca, que a qualquer momento a ela darão nova exposição e outra vez notoriedade, por meio de novos posts, retuítes, ou até mesmo da prosaica seção "recordações" do Facebook...

    Para desgraça eterna de sua "vítima". E o que fazer para combater este mal? No mundo ideal, não haveria informações incorretas; mas jornalistas erram, sempre erraram e certamente continuarão errando.

    Além disso, a grave questão da multiplicação virtual da desinformação permanece uma grande incógnita, mesmo porque ainda que o erro seja banido dos arquivos digitais das publicações, o que já aconteceu na Europa, por exemplo, ela estará circulando descontrolada no ciberespaço. Ao menos até que algum novo algoritmo mágico seja criado, permanecerá colocando em risco a reputação da vítima, não importando aqui se o problema tenha origem num equívoco, numa distração banal, na falta de uma apuração jornalística adequada, na leviandade de um entrevistado ou mesmo na intenção deliberada de prejudicar uma pessoa, uma empresa, um governo.

    Eis mais uma vez aqui o paradoxo da internet e das redes sociais, a um só tempo instrumentos fantásticos de ampliação do conhecimento e potenciais carrascos implacáveis de reputações.

    luiz caversan

    Escreveu até abril de 2016

    É jornalista e consultor na área de comunicação corporativa.

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