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    Luiz Caversan

    Sobre vacinas e BMWs

    09/04/2016 02h00

    Desculpe o lugar comum manjadíssimo, mas o Brasil não é mesmo para amadores.

    Impossível explicar para um gringo que um surto de gripe letal está nas ruas da maior cidade de uma das maiores economias do planeta (apesar dos pesares...) e não há vacinas suficientes e/ou disponíveis para atender a população.

    Segundo os especialistas –sempre eles–o surto da gripe "chegou mais cedo", deveria acontecer a partir de maio, mas o danado do vírus surpreendeu a todos e o H1N1 (nome tipo robô do filme "Star Wars") já está por aqui dando o ar de sua graça, que não tem graça nenhuma, porque está matando. Matando bastante gente, pelo menos 50 óbitos notificados até agora só em São Paulo.

    Esta confusão com a vacina e o natural pânico que ela proporciona tem gerado situações inéditas, como a formação de filas de madrugada em frente aos laboratórios e clínicas mais sofisticados da cidade. Não se trata de povão à espera do atendimento do SUS, mas gente que não está acostumada a este tipo de mico e encontra ali mais um motivo pra falar mal do governo, em geral do governo federal, claro.

    Mas o fato é que não importa se a culpa é da Dilma "das pedaladas", do Alckmin das "merendas roubadas" ou do Haddad das "ciclovias vazias": saúde pública neste nível, no nível de uma epidemia que mata, não é apenas e tão somente responsabilidade deste ou daquele governo.

    É uma questão de Estado. Ou deveria ser...

    Ontem fui a um laboratório particular que utilizo, para exames de sangue, e aproveitei para perguntar sobre a vacina: "Tem mas acabou", disse a simpática mocinha da recepção, informando que cada dose, ali, custaria, se houvesse, R$ 120.

    No atendimento para o exame propriamente dito, noto que jovem do guichê está com sintomas de pelo menos um resfriado: olhos vermelhos e lacrimejantes, nariz entupido, fungando.

    Ela percebeu que eu percebera os sintomas, e aproveitei e mandei:

    - Ainda bem que você foi vacinada, né?

    - Não fui não, senhor.

    - Ué, mas você trabalha num laboratório, cheio de gente doente e que vende a vacina. Não tinha que ter tomado já?

    - Tinha...

    - E o laboratório não aplicou em todos os funcionários? Você não pode tomar aqui mesmo?

    - Poder, pode, é só pagar.

    - Mesmo funcionário paga?!

    - Paga. Mas tem desconto, a gente paga R$ 96.

    - Ah, bom...

    Tratamentos desumanos e ultrapassados de megaempresas à parte, a fabricação, regulação de estoques, distribuição e atendimento à população - neste caso tanto de baixa quanto de alta renda - deveria atender a critérios técnicos que não mudassem de governo para governo, de acordo com as conveniências políticas de cada um. Mas muda.

    Depende de injunções, licitações, liberações, verbas, quem autoriza, quem manda em que autoriza e por aí vai... Já foi pior, mas não podia mais acontecer este tipo de coisa. E o que resulta agora é o sacrifício não apenas de pobres e remediados, que dependem do atendimento público gratuito. Também afeta os mais abastados desacostumados a filas.

    E é "focando" neste público que uma concessionária da marca de carros de luxo BMW resolveu promover uma no mínimo bem estranha ação de marketing, publicando anúncio em jornal oferecendo vacina de graça a proprietários da marca –esclareceu depois um funcionário que será para a "população em geral".

    A promoção é neste sábado e são 1 mil doses da vacina. Será que vai dar rolo?

    luiz caversan

    Escreveu até abril de 2016

    É jornalista e consultor na área de comunicação corporativa.

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