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    Luiz Caversan

    Um bom dia para recomeçar

    16/04/2016 09h29

    Depressão, corações partidos, relacionamentos bons e maus, injustiça social, desvalidos e desesperados, exemplos de vida, a alegria de saber rir de si próprio, liberdades democráticas, sexuais e artísticas, lamentos de morte, intolerâncias e pluralidades, desalento sem nunca perder a fé, um olhar humilde mas generoso sobre a vida que nos cerca aqui, ali, acolá.

    Essas sempre foram as inspirações que me levaram a ocupar este espaço aqui na Folha para meus textos desde julho de 2000. São quase 16 anos, quase 800 crônicas, quase uma vida. Meia vida da minha filha, quatro vezes a vida do meu neto, uma vida que ajudou a fazer a minha própria vida valer a pena.

    Daí a necessidade de recomeçar, não mais na seção destinada aos colunistas da Folha, mas sim, agora, no Blog do Caver.

    Minha mãe, que Deus a tenha, me chamava de Luiz Carlos quando estava brava comigo, e eu morria de medo. Meus amigos queridos me chamam de Caver, daí o nome e a intenção do novo espaço na internet que passo a ocupar, porque, afinal, o que será da vida sem amigos?

    Amigos, conhecidos e nem tanto, que tantas e tantas vezes procuraram na coluna, que assino agora pela última vez aqui na Folha, um alento para enfrentar o "mal do século", a depressão, doença com a qual eu mesmo aprendi a conviver depois de um surto no final dos anos 90 e a partir de quando passei a estudar o assunto. Aprender e compartilhar...

    Nos primeiros tempos, as pessoas, assim como eu mesmo, tinham vergonha de falar da sua depressão, o desconhecimento imperava, o tema tabu assustava, e os "outros", além da vergonha alheia, ostentavam uma enorme ignorância quando falavam daquela pessoa triste, desesperançosa, abatida aparentemente sem motivo. Isso mudou bastante.

    Tive o privilégio, nestes anos todos, de aprender muito sobre o tema, me amparar em especialistas generosos que me orientaram, e assim colaborar para que o preconceito contra a depressão –e contra o transtorno bipolar, a ansiedade, e outros desafetos contemporâneos– deixassem o canto escuro da sala e fossem para o centro de discussões, dos debates, das análises, no âmbito dos relacionamentos sociais adultos e consequentes.

    Ainda há muito a conquistar, mas estamos muito melhor do que há uma década e meia atrás, e é preciso avançar.

    Portanto, assim como os chamados transtornos afetivos, entre os quais se inclui a depressão, todos os demais temas listados aí em cima estarão presentes no blog que passo a construir agora.

    É preciso, neste recomeçar, ir adiante, dizer o que precisa ser dito sobre essas pessoas que não se encaixam nos massacrantes padrões da "normalidade", sobre a criança que mora na rua, a cidade que se autodevora, o homem mau e suas máquinas destruidoras de cidadania, o homem bom e os alentos que nos proporcionam com seus exemplos; divulgar a ciência, a tecnologia e o conhecimento, para que ele seja colocado a serviço do que ainda nos resta (e não é pouco...) de humanidade.

    É preciso, também, certamente, lembrar sempre para não esquecer nunca; lembrar de onde viemos, dos valores que nos construíram, lembrar de como era boa e linda a cidade que teimamos em tornar pior, de como ela pode ainda ser boa e linda, lembrar dos tempos sinistros da ditadura que marcou gerações recentes, das misérias materiais e espirituais, e ter um olhar contextualizado sobre o país que encontramos hoje à nossa frente.

    O "país do futuro" está tragicamente dividido, e o símbolo maior disso é o muro montado na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, supostamente para conter o confronto entre manifestantes. Um muro vergonhoso que remete, não tem como, ao muro de Berlim, ao muro da fronteira México-EUA, ao muro de Gaza e a todos os outros muros que foram erguidos e eventualmente vierem a sê-lo para separar, excluir, evidenciar concretamente a cisão e o ódio que pode advir da simples divergência.

    Sim, hoje é um bom dia para recomeçar, num novo endereço, com as portas abertas para novos amigos. Apesar do coração apertado pelo tom beligerante em que o país se encontra, ouso apostar no diálogo, na tolerância e na esperança.

    Aos que quiserem compartilhar estes sentimentos, a partir de agora estarei no blogdocaver.com.br.

    E vamos em frente.

    luiz caversan

    Escreveu até abril de 2016

    É jornalista e consultor na área de comunicação corporativa.

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