RIO DE JANEIRO - Se aparecesse na primeira frase deste texto a palavra Beija-Flor, é provável que alguns leitores pensassem: "Mas esse cara ainda quer falar de Carnaval?".

Não quer. Mas vale indicar que, em não havendo alguma grande surpresa, o patrocínio da Guiné Equatorial será esquecido em poucos dias, não haverá qualquer mudança significativa nos desfiles e, em 2016, estaremos gritando, chocados, contra mais algum fato ocorrido em torno das escolas de samba.

A voragem das redes sociais se alimenta de escândalos que logo são substituídos por escândalos mais fresquinhos, bons de apanhar e de cuspir. Porém, a nossa proverbial falta de memória tem estruturas mais profundas e efeitos mais danosos.

Humanistas transatlânticos, nós denunciamos com correta veemência a ditadura de Teodoro Obiang Nguema. Mas aceitamos que, 30 anos após o fim da nossa última ditadura, nenhum agente público tenha sido punido pelas torturas e mortes de centenas de pessoas.

A polêmica da semana passada foi, na verdade, em torno do patrocínio, pois no desfile não havia qualquer exaltação ao governo sanguinário e corrupto de Obiang.

Essa tática engenhosa da escola pode ser usada num enredo sobre o Exército brasileiro: nenhuma menção às máquinas de moer gente que funcionavam em quartéis. A sutileza até frustraria parte da audiência, que defende tortura e extermínio no nosso dia a dia –mas acha horrível quando é em outro país.

Também nos escândalos de corrupção, queremos trucidar o ladrão da véspera, e não desmontar as engrenagens que fazem dos roubos coisa tão nossa, que persiste para além das siglas do momento, dos mocinhos e vilões de ocasião.

Como já escrito aqui, não desejamos justiça, mas vingança. Não queremos registrar, mas apagar. Somos o país do Carnaval e do esquecimento.