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    Luli Radfahrer

    A Bela e a fera

    27/05/2013 03h00

    O Yahoo, quem diria, ficou com o Tumblr. Taí um romance inesperado.

    Boa parte dos usuários do Yahoo já tinha ouvido falar do Tumblr, mas não sabia direito do que se tratava. E vice-versa. Pelo menos até a semana passada, quando foi anunciada a transação de 1,1 bilhão de dólares.

    As duas empresas são tão diferentes entre si que é natural que a operação cause espanto. Não por seu valor, que apesar de alto (cerca de 20% do patrimônio do portal), é mais ou menos tabelado, entre o preço do Instagram e o do YouTube.

    E nem é a maior compra do Yahoo. Na época da bolha, ele gastou cerca de cinco vezes mais para comprar o Broadcast.com.

    A compra vem em boa hora. Desde que a bela Marissa Mayer, ex-VP do Google, assumiu o posto de CEO, as ações da empresa subiram cerca de 70%. Era preciso mostrar que a aposta tinha valido.

    O Tumblr é muito diferente das outras mídias sociais. Sua estrutura permite a publicação textos, vídeos e animações de tamanho variável, seguir outros usuários e, em um clique, republicá-los.

    Mais simples do que um blog e mais flexível do que outras formas de expressão como o Twitter, o mural do Facebook ou os vídeos no YouTube, o Tumblr se tornou um sucesso como ferramenta de autoexpressão. Principalmente entre os mais jovens, geração mashup, que nunca viu os dias de glória do Yahoo e tem uma certa dificuldade em diferenciar criação de combinação ou cópia.

    Estima-se que o Tumblr tenha mais de 100 milhões de blogs em sua rede, só perdendo para o Facebook em tempo despendido por usuário. Como é fácil seguir e republicar, sua rede é mais intensa e engajada, a 32ª maior da Internet. Sua compra consolida a quarta posição do Yahoo, atrás apenas de Facebook, Google e YouTube.

    Opostos se atraem, mas é preciso uma definição de limites para que suas diferenças não se transformem em conflitos. O exemplo mais lembrado é o da compra do MySpace pela NewsCorp em 2005. Na pressa para monetizar o serviço, as páginas foram enchidas de banners, destruindo sua popularidade.

    O Yahoo promete deixar o Tumblr em paz, já que seus maiores investimentos estão do outro lado do mundo. O portal ainda é o número um no Japão e dono de um quarto do Alibaba, gigante do comércio eletrônico chinês, cujo IPO está estimado entre os 70 e 100 bilhões de dólares.

    É mais provável que a relação entre as duas empresas seja parecida com os outros grandes casamentos digitais dos últimos anos. Instagram e Facebook, YouTube e Google, Skype e Microsoft e PayPal e eBay são exemplos de parcerias harmoniosas, mais parecidas com fusões de empresas do que com aquisições.

    Nos bastidores, a operação é um belo movimento estratégico. O portal passa a ter acesso a trezentos milhões de novos usuários, jovens e conectados a tablets e smartphones. Com eles, uma riqueza de informações de consumo e personalização de conteúdo.

    O Tumblr também é uma boa plataforma para o Yahoo rejuvenescer o Flickr, que já foi sinônimo de álbuns de fotos na rede e vinha empoeirando, perdendo lugar para Google+ e Facebook, ameaçado até por startups muito menores, como a 500px. Via Tumblr, os usuários do Flickr podem transformar coleções fotográficas em histórias, dando a elas um dinamismo único.

    O Tumblr faz charminho para manter a aura rebelde, mas deve ter adorado a mudança. Com ela não há mais a necessidade de arranjar dinheiro, o que libera sua equipe para aprimorar o serviço.

    A terceirização da infraestrutura é outro alívio. Com 500 milhões de páginas visitadas por dia, picos de 40 000 requisições por segundo e cerca de 3TB de novos dados por dia, distribuídos em mais de mil servidores, a operação é bem diferente do que muitos imaginam acontecer em garagens.

    Para os anunciantes a notícia é excelente, pois podem criar, via Tumblr, plataformas de interação muito mais dinâmicas do que perfis no Twitter ou páginas no Facebook que, por comparação, parecem velhos e estáticos.

    É claro que nem tudo é róseo: há queixas de spam, violações de direitos autorais e, principalmente, pornografia. Em 2009 a quantidade de conteúdo adulto no Tumblr era tamanha que alguns chegaram a estimá-la em 80%. Hoje esse valor é muito menor, mas a imagem persiste, conflitando com o conteúdo mais "família" do Yahoo.

    A operação é tão boa que parece satisfazer a todos. Menos, é claro, ao usuário. O histórico de burradas do Yahoo inclui várias aquisições de ideias brilhantes que, por erros de administração, minguaram e acabaram descontinuadas. Boa parte dos produtos sociais populares hoje em dia já pertenceram a ele, como um serviço de páginas pessoais quando não se falava em Blogs (Geocities), conteúdo em vídeo e áudio antes da Banda Larga (Broadcast.com e MusicMatch), grupos de discussão pré-Orkut (eGroups), lista de eventos no estilo FourSquare (Upcoming.org) e um serviço de classificação e compartilhamento de links (Delicious). Este último teve o anúncio de seu fechamento vazado de um comunicado interno, o que gerou tanto protesto que acabou sendo mantido, depois vendido para a Avos, empresa criada pelos fundadores do YouTube.

    O medo de que o Yahoo interfira fez com que alguns apressados migrassem para outras plataformas. No domingo em que a transação se tornou evidente, o Wordpress chegou a importar 72 000 blogs em apenas uma hora. É natural. A compra pelo Yahoo tende a dar ao serviço uma audiência mais ampla, trazendo marcas, publicidade, familiares e colegas de trabalho para um ambiente que, até há pouco, era bem particular. E, com isso, tornando toda expressão mais pasteurizada e menos autêntica.

    Mas a maioria deve ficar por lá, já que não existe rede similar. Até que surja uma nova iniciativa que reinicie o processo. Toda história recente da Internet tem sido assim.

    luli radfahrer

    Escreveu até abril de 2016

    É professor-doutor de Comunicação Digital da ECA da USP. Trabalha com internet desde 1994. Hoje é consultor em inovação digital.

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