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    Luli Radfahrer

    Vou voltar pro Orkut

    DE SÃO PAULO

    03/02/2014 08h28

    Orkut, quem diria. O serviço web que já foi sinônimo de rede social no Brasil e que muitos consideravam extinto, resiste bravamente. Em uma conversa com meu amigo Rodolfo Viana eu soube, com razoável surpresa, que ao completar 10 anos de existência ele ainda tem 6 milhões de usuários ativos, empenhando cerca de 25 minutos por visita.

    Por mais que o número seja uma sombra do que teve a rede social de telas azul-calcinha antes de ter sido atropelada pelo azulão do Facebook, ele não é irrisório. Maior do que o Twitter e com cerca de três vezes mais usuários do que o Linkedin, o Orkut perde por pouco para o Google+, rede-mãe que faz de tudo para dizimá-lo.

    Desde que a Índia se rendeu ao Facebook, brasileiros representam cerca de 90% dos usuários do Orkut. Preferido entre usuários mais velhos, mais humildes ou residentes em regiões mais distantes dos grandes centros metropolitanos, ele é, para muitos, a porta de entrada para a Internet, fazendo sucesso em um país com cerca de 80 milhões de usuários de redes sociais, perdendo apenas para a China, Estados Unidos e Índia.

    Mas o que essa gente faz por lá? A resposta não poderia ser mais simples: comunidades. Painéis egocêntricos e centros de exibicionismo, Facebook, Foursquare, Instagram e Twitter funcionam bem para mostrar que seus usuários frequentam locais descolados e pertencem a círculos exclusivos. No Orkut, fazendo jus ao componente social da rede, o grupo é mais importante do que o indivíduo, e todos estão por ali para ajudarem ou serem ajudados.

    Comunidades são a base da Internet. Muito antes de surgirem as páginas da web, fóruns e grupos de discussão eram ferramentas essenciais para usuários da rede global. Até hoje, quando alguém precisa de uma dica ou recomendação, a resposta costuma estar nos grandes painéis de opinião, acessíveis em qualquer busca. Quem nunca precisou de um driver de instalação ou uma dica para um videogame que conteste.

    Fóruns digitais, no entanto, não são fáceis de montar. Serviços como PHPbb e outros fóruns, por mais amigáveis que sejam, envolvem algum conhecimento de bases de dados e de moderação de usuários. Para quem o conhecimento técnico vai pouco além do YouTube, eles são inacessíveis. No Facebook os grupos são restritos, visíveis apenas por convite ou para quem já faz parte de uma rede de contatos. É quase impossível ser ajudado por um total desconhecido. No Orkut a arena é pública, aberta a todos, no momento em que quiserem.

    A iniciativa atual do Google, Google+, não faz muito sucesso entre gente comum. Por mais que seu marketing teime em dizer o contrário, ele é uma comunidade de nicho, e tende a continuar assim. No máximo, uma camada social que incorpora os diversos serviços da empresa em uma só plataforma, mais um ponto de conexão do que uma rede. Para qualquer startup, o tamanho de sua comunidade seria digno de orgulho. Para quem quer destronar o Facebook, é ridículo.

    Pinterest, Instagram, Waze, WhatsApp e Tinder surgiram em um vácuo provocado pelo tamanho e condição genérica do Facebook, cada um promovendo funcionalidades específicas de grande valor para seus usuários, como o fazem as comunidades do Orkut. O Google+ não tem nada de diferente, tanto que seus conteúdos de maior sucesso são as páginas que disponibiliza...no Facebook. Ele é muito mais fácil de usar do que foram as iniciativas fracassadas do Wave e do Buzz, mas ainda está longe de mostrar sua serventia. Por enquanto mais parece uma alternativa para quem detesta o Facebook, mas não pode viver sem suas funcionalidades.

    Outras empresas compradas pelo Google tiveram o mesmo destino funesto do que suas iniciativas próprias. Gowalla e Dodgeball, que poderiam ter redes de geolocalização, foram abandonadas quase com o mesmo ímpeto com que foram adquiridas. O fundador do Dodgeball, desiludido com o Google, recriou a experiência de sua comunidade no FourSquare, e deu certo. Jaiku, outra empresa comprada e abandonada pelo Google, tinha boa parte das funcionalidades do Twitter.

    É estranho, porque, ao mesmo tempo o Google tem uma boa experiência com arenas de discussão. O Google Grupos é um dos mais ativos serviços de debate entre pessoas de interesses comuns. Em seus arquivos estão os registros de debates na extinta Usenet desde 1981. Mas seu acesso não é fácil nem presente no cotidiano da rede social.

    Patinho feio da rede, o Orkut aos 10 anos não vira príncipe, mas pode envelhecer com mais dignidade do que MySpace, Friendster ou GeoCities, seguindo humilde a resolver problemas de gente descolada bem no momento em que mais precisem, mesmo que nunca o reconheçam.

    luli radfahrer

    Escreveu até abril de 2016

    É professor-doutor de Comunicação Digital da ECA da USP. Trabalha com internet desde 1994. Hoje é consultor em inovação digital.

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