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    Luli Radfahrer

    Os barões em busca do próximo bilhão

    17/03/2014 03h30

    Os dólares até que vieram relativamente fácil. As pessoas darão um pouco mais de trabalho.

    A internet tem cerca de 2,4 bilhões de usuários. Vinte anos depois de sua popularização comercial, cerca de dois terços do mundo ainda está desconectado, boa parte por estar longe demais dos centros urbanos, em regiões remotas da África e Ásia.

    Levar a rede para eles não é fácil. Dos 29% da superfície do planeta que não são cobertos de água, pouco mais de 2% tem áreas com grupos populacionais significativos, o que não justifica o investimento pesado em escavações, fibras e antenas.

    Uma solução possível é apelar para a transmissão sem fio, direto do céu. A ideia não é nova: nos anos 90 pelo menos cinco grandes projetos –como Iridium e Globalstar– tentaram conectar o mundo. Todos faliram. Seu problema era que os satélites ficavam muito longe, o que demandava tijolões especiais para receber o sinal, que, mesmo assim, não funcionava bem nas cidades e áreas fechadas.

    Hoje o cenário mudou: os telefones e tablets estão mais potentes, menores, baratos e melhor distribuídos, o que leva uma parte considerável da população global a ter acesso à internet sem nunca ter usado um computador. Nesses termos, faz sentido pensar em uma rede sem fio independente das operadoras de telefonia e de suas taxas estratosféricas.

    Foi com esse objetivo que o Google começou a estudar o uso de balões meteorológicos para transmitir sinal. A ideia parecia disparatada demais para ser levada a sério. Não é para menos: 70.000 balões movidos a energia solar, interligados e autônomos, parecia coisa de ficção científica. Como um carro autodirigível.

    O Facebook logo correu atrás. Só neste ano já anunciou a compra da empresa de drones Titan Aerospace, que junto com o WhatsApp e a empresa de compressão de dados Onavo indica uma séria intenção de criar uma rede de telefonia própria. Os aviõezinhos são invocados: com envergadura de 50m, pesando 160kg e capazes de voar a 100km/h a uma altitude de 20 000 metros, eles também são movidos a energia solar e tem autonomia de cinco anos. Logo de saída o projeto prevê mais de dez mil deles.

    Tanto os drones quanto os balões funcionariam como "satélites atmosféricos", capazes de fazer boa parte de seus equivalentes orbitais, a uma fração de seu custo. Isso promete novos serviços gratuitos de grande qualidade e precisão, que podem promover um grande desenvolvimento tecnológico.

    Mas não há como negar que a esmola parece grande demais. A começar por centenas de aeronaves a sobrevoar o espaço aéreo de nações soberanas, o que leva às naturais questões de privacidade e vigilância. Ainda mais quando considerado que a posição dessas forças aéreas privadas, na troposfera, as deixa fora do alcance da legislação da maioria dos governos e agências reguladoras.

    Como um dia o foram o mar e a América, o céu é uma fronteira inexplorada, cenário ideal para uma corrida em busca de um patrimônio que pode se mostrar bastante valioso nas próximas décadas. É prato cheio para a ganância das startups digitais e sua fúria especulativa.

    Google e Facebook são empresas de mídia. Para que sejam lucrativas, os anúncios em suas páginas precisam ser vistos pela maior audiência possível. Mesmo que ela já seja enorme –estima-se que os usuários do Facebook gastem, somados, mais de 20 bilhões de minutos por dia (equivalente a 40 milênios)– sua rede ainda atinge "apenas" 44% da população dos EUA, pouco mais de 30% na Europa e América Latina e menos de 10% dos Asiáticos e Africanos.

    Ao fornecer acesso gratuito à seus serviços, eles podem rapidamente se transformar em sinônimos da internet para boa parte de seus usuários.

    A confusão é mais grave do que sugere a semântica. A internet é um bem de todos. A rede original foi projetada como um sistema aberto, em que qualquer ideia poderia ser transformada em algoritmo, sem maiores perguntas ou cobranças. Os mesmos multibilionários que construíram seus impérios sobre essas fundações livres não tem a menor intenção de permitir que suas plataformas sejam usadas para construir qualquer coisa que não possam controlar.

    Travestidos de filantropos, eles não passam de tecnocratas que acreditam ser capazes de qualquer coisa, bastando para isso investimento e exploração de sua cadeia de trabalho a extremos que beiram a escravidão. Tem a seu lado a justificativa do progresso, que usam sem dó contra as cadeias econômicas que arrasam pelo caminho.

    Alguns até parecem descolados ou portadores de uma ingenuidade nerd, mas não se deixe enganar. Como os Vanderbilt, Rockefeller e Carnegie que os precederam, os novos barões acumulam fortunas enquanto criam uma nova economia digital que sustenta seus privilégios.

    Mais do que ganhar dinheiro, eles buscam estabelecer impérios comerciais poderosos, monopolistas. E farão de tudo para atingir seus objetivos, incluindo práticas capitalistas que pareciam extintas, como a criação de cartéis secretos, lobbies poderosos e fraudes diversas, sem contar, é claro, a exploração cruel de trabalhadores humildes e não sindicalizados, nos mesmos países pobres que se comprometem a "ajudar".

    Como a História é amnésica, mais tarde bastará jogar uns milhõezinhos em fundações para limpar seus nomes. Como o faz hoje a Fundação Bill and Melinda Gates, maior instituição de caridade do mundo, cujo dono há uma década foi condenado por leis antitruste.

    folha@luli.com.br

    luli radfahrer

    Escreveu até abril de 2016

    É professor-doutor de Comunicação Digital da ECA da USP. Trabalha com internet desde 1994. Hoje é consultor em inovação digital.

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