• Colunistas

    Tuesday, 07-May-2024 22:32:23 -03
    Luli Radfahrer

    Eu não quero saber da sua vida

    DE SÃO PAULO

    05/05/2014 02h00

    Reclama-se de invasão de privacidade, mas quem tem vida privada hoje em dia?

    Quando foi a última vez que você comeu em um bom restaurante, viu uma bela obra de arte ou foi para uma balada sem tirar uma foto e postar on-line? Quando foi a última vez que um amigo seu o surpreendeu com algo que tenha feito que não foi fofocado pelo Facebook?

    Um tipo de privacidade muito desrespeitada é a dos desinteressados, que não se comovem com a vida de seus vizinhos, não leem a revista "Caras", não assistem a big brothers, domingões, caldeirões ou vídeo shows e mal conseguem guardar os nomes dos atores e diretores dos filmes que veem.

    Alpino

    Para estes pobres, alheios a quem dorme com quem, quando e onde, as redes sociais devem parecer ferramentas desenvolvidas para uma multidão narcisista, burra, voyeur e birrenta, pronta para dar opiniões impensadas a respeito dos assuntos mais bestas possíveis, cuja única regra parece ser a do "compartilho, logo existo".

    Mesmo que, para isso, se use o Twitter na sala de parto.

    É praticamente impossível entrar em uma rede social e não ficar sobrecarregado com o volume de imagens e dados demasiadamente pessoais. A necessidade que alguns têm de falar do seu desejo por uma roupa nova, de sua higiene pessoal, de seu mau humor quando serviços e ou serviçais falham parece patológica. Praticamente tudo que se vê são relatos de momentos extremos, preferências particulares, indicações de patrimônio e desabafos.

    Tudo o que deveria ser guardado para si parece material de divulgação. O que é essa compulsão por dividir? Esse ataque coletivo de ansiedade cujo único antídoto parece ser compartilhar ainda mais?

    Psicólogos dizem que um dos motivos principais para a troca de informações é o contato emocional, que demanda um esforço razoável para administrar a opinião do outro e tentar impressioná-lo. Quando isso é feito o tempo todo, é fácil provocar situações embaraçosas precisamente entre as pessoas que mais queremos impressionar.

    A mídia social, não se pode esquecer, é uma mídia. Nela se consome, passivamente, o que é transmitido pelos outros.

    Para que isso não seja insuportável, o esforço de contato precisa ser minimizado, mesmo que gere um conhecimento superficial.

    Como a noiva na festa de casamento, cada usuário precisa dar atenção a todos, mesmo que de forma efêmera e rasa. Com isso boa parte da riqueza das relações interpessoais é perdida, desumanizando seus atores e forçando os mais carentes de atenção a exagerarem suas atitudes para que pareçam interessantes o suficiente.

    O Facebook é a rede da vez. Ela morrerá, surgirão outras. Abandoná-las é tão inviável quanto viver sem cartão de crédito, celular, conta bancária, plano de saúde, emprego ou qualquer tipo de atividade que deixe registros.

    Mais do que isso, abandoná-las reduz oportunidades reais de autoexpressão, convívio, crescimento pessoal, aprendizado e intercâmbios sociais em geral.

    Já que os processos de socialização digital e construção de identidade são inevitáveis é importante redefinir, com eles, os limites e regras de etiqueta no convívio.

    luli radfahrer

    Escreveu até abril de 2016

    É professor-doutor de Comunicação Digital da ECA da USP. Trabalha com internet desde 1994. Hoje é consultor em inovação digital.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024