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    Luli Radfahrer

    Informação demais

    DE SÃO PAULO

    26/05/2014 02h00

    E-mail. Twitter. Facebook. SnapChat. WhatsApp. SMS. Linkedin. FourSquare. SlideShare. Instagram. Blogs. Infográficos. Notícias. YouTube. Nunca se consumiu tanta informação. Qualquer relatório de tendências mostra que o volume de dados a circular pela rede cresce a uma taxa exponencial. E ninguém duvida que aumentará até que todas as possibilidades de canalizar e manipular dados, através de todos os recursos tecnológicos, estejam esgotadas.

    Informação, que um dia já foi sinônimo de poder, hoje mais parece um problema. Fala-se em Tsunamis de conteúdos, em ansiedade de informação, em paradoxos de escolha, em fadiga de contexto, em paralisia de análise.

    Dizem os mais exagerados que "O Google emburrece e degrada memórias. Que o Facebook aliena. Que a Internet é reduto de pornografia, com fascistas e maníacos em cultos bizarros. Que o Leviatã digital consolida novas fortunas enquanto destrói economias locais. Que o mundo cibernético representa a vitória dos eremitas, dos plagiadores e dos ladrões de informação. Que é o ápice das Invasões Bárbaras, destruindo as relações entre as pessoas e demolindo a Cultura enquanto anuncia uma nova Idade das Trevas em que a verdade, como no Coliseu romano, será decidida pelos polegares em sinal de positivo."

    Exageros à parte, é inegável que boa parte da crise institucional provocada pela Internet se deu nas indústrias de gestão do conhecimento, como gravadoras, editoras, imprensa, escola e, de certa forma, na maneira como hoje se dá o atendimento médico e jurídico. O custo de publicação neste novo espaço público é tão baixo, a distribuição é tão imediata e o espaço é tão grande que poucos se dão ao trabalho de finalizar suas obras, publicando rascunhos incompletos e até as discussões que lhes deram forma.

    A internet já mostrou que não veio para demolir instituições culturais, mas para se misturar a elas, transformando sua natureza. A confusão que se vê é típica de uma época de abundância, que hoje em dia se manifesta no direito à expressão.

    Qualquer período de transformação, seja uma reforma de banheiro ou uma adolescência, é incômodo. Não é de hoje que o ruído cotidiano distrai e irrita. Descartes precisou se isolar em um quarto para concluir que existe porque pensa. Sêneca, há quase 25 séculos, não entendia o motivo para tantos livros, em tantas bibliotecas, mais do que qualquer um seria capaz de ler. Platão, radical, acreditava que os livros afastariam as pessoas, que graças a eles deixariam de conversar. Até mesmo o inventor da enciclopédia, Denis Diderot, acreditava que o volume de publicações criaria tantas opiniões que dificultaria a compreensão do mundo.

    É natural. O cérebro que já foi símio continua arisco, ligado para prestar atenção nas ameaças da savana, resistente a qualquer novidade.

    O futurista Alvin Toffler ajudou a definir essa angústia ao popularizar o termo "sobrecarga de informação", ou a dificuldade que se tem em compreender um problema e tomar decisões quando há informação demais.

    O termo pode ser confortável, mas não faz muito sentido. Por mais que estejamos envolvidos por um gigantesco volume de dados, eles não são autônomos, não podem forçar ninguém a consumi-los. O problema não está na informação disponibilizada, mas em seu consumo e utilização.

    No mundo de abundância em rede o conhecimento não é mais representado por uma biblioteca, mas por uma playlist disposta a satisfazer os interesses de seus usuários. Não representa a verdade absoluta, nem tem pretensões de encontrá-la. Pelo contrário, mostra caminhos para a imensidão do mundo, que devem ser percorridos até que a curiosidade seja saciada.

    A rede não está se tornando um supercérebro onipotente e onisciente, distante dos operários que a construíram. Pelo contrário, ela está se misturando com a própria natureza do conhecimento. É impensável imaginar um sem o outro. Livre de seu suporte, a informação mudou, transformando o meio pelo qual se desenvolvem, preservam, comunicam e transformam ideias.

    O conhecimento é hoje uma propriedade da rede. Isso é muito maior do que qualquer sabedoria popular, folclore ou voz das massas. Pelo contrário, o velho mito dos Oráculos, Astros, Gurus, Doutores e Deuses a representar o cânone do conhecimento está finalmente questionado, levando embora com ele a ideia nociva e artificial das certezas absolutas, das verdades definitivas e do fim das discordâncias.

    E isso é só o começo. À medida que a Internet das coisas fará com que a pessoa mais inteligente da sala seja a própria sala não faz muito sentido resistir e se opor. A melhor maneira de avançar é abraçar as peculiaridades desta nova cultura que apesar de ser cada vez menos tangível, nunca foi tão humana.

    luli radfahrer

    Escreveu até abril de 2016

    É professor-doutor de Comunicação Digital da ECA da USP. Trabalha com internet desde 1994. Hoje é consultor em inovação digital.

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