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    Luli Radfahrer

    Cada clique, um voto

    07/07/2014 02h00

    Vivemos em uma época de conteúdo de conveniência. A informação tornou-se tão abundante que não é difícil encontrar fatos que confirmem todo tipo de crença, por mais absurda que seja.

    A ideia de fatos puros, objetivos, resistentes a qualquer interpretação, declarações imutáveis a respeito do mundo real e aceitos por consenso sempre foi um ideal inatingível. Quando convém, muitos ainda se apegam à ideia da verdade suprema quando buscam confirmar o que acreditam, do aquecimento global aos efeitos do cigarro.

    Quando surgiu a internet, havia uma crença ingênua de que ela revolucionaria a produção de conteúdo. Não levaram em conta o desejo inconfesso de muitos em serem provados donos da verdade e buscarem informações consistentes com seu ponto de vista.

    Cada clique é um voto. Cada leitor, um editor. Toda vez que ignora uma peça investigativa para ler fofocas, o usuário diz ao site o que gostaria de ver publicado. A mídia não conspira para emburrecer seu público, mas para dar a seus leitores exatamente o que querem. A publicidade não é um mecanismo gratuito, mas opaco.

    À medida que algoritmos assumem a função de editar e determinar o que é visto, é cada vez mais importante compreendê-los, para evitar que se chegue a um mundo em que só se vê aquilo com o que se concorda.

    CONSENSO

    Hoje que todos podem expressar suas opiniões (e que todos podem ler o conjunto de opiniões), é muito difícil chegar a um consenso. Nas mídias sociais, em que a verificação dos fatos não é obrigatória, a situação é ainda pior. Ao priorizar o número de "curtidas" e seguidores, o o foco de cada publicação abandona a veracidade em nome da possibilidade de evocar uma resposta emocional.

    Atualizar a compreensão que se tem a respeito do mundo é uma tarefa difícil. Raramente há tempo, recursos ou motivação para avaliar cada nova reivindicação. Em um ambiente de abundância de informação, a única saída viável acaba sendo partir para a heurística e verificar como cada novo fato se encaixa com o que é conhecido, com o que se crê, com o que os outros pensam, com o que é aceito socialmente.

    O resultado é um conjunto cada vez maior de pessoas que, apesar de muito informados, não são bem informados. Para eles, a transparência não é a solução. O acesso à informação crua não ajuda a compreensão.

    Sem contexto, o excesso de informação não só é inútil como também é potencialmente perigoso. Como os filtros tradicionais de informação não funcionam mais, a opinião das celebridades e "especialistas" é cada vez mais importantes. Como os antigos gurus, eles nos dizem o que pensar.

    A situação piora quando se leva em conta a popularidade de processos como a gamificação e a criação de rankings, pois ela assume que as características humanas não só são quantificáveis, como também é possível reduzi-las a um só critério.

    ALFABETIZAÇÃO

    É preciso desenvolver a alfabetização de dados. Uma boa forma de fazê-lo é produzir conteúdo, seja na forma de um blog, conjunto de vídeos ou planilhas de dados.

    A internet, como inteligência coletiva, é mais humana do que podem sugerir suas fazendas de servidores. Seu conteúdo é cada vez mais uma atividade social infinita, polêmica, não resolvida, colaborativa.

    O conhecimento em rede é cada vez menos objetivo e mais humano. Menos definitivo e mais transparente. Menos confiável, porém mais abrangente. Menos consistente, mas muito mais rico. Cabe a nós explorá-lo adequadamente.

    luli radfahrer

    Escreveu até abril de 2016

    É professor-doutor de Comunicação Digital da ECA da USP. Trabalha com internet desde 1994. Hoje é consultor em inovação digital.

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