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    Luli Radfahrer

    O apocalipse zumbi

    28/07/2014 11h48

    Eles estão por toda parte. Nas ruas, calçadas, elevadores, filas e banheiros, zumbis atordoados, andando sem direção, vidrados em telinhas brilhantes, são cada vez mais comuns.

    Em seu titubear, bólidos pedestres tropeçam, caem ou entram de cara em algum obstáculo. Por mais que se machuquem, parecem estar mais preocupados com seu aparelho do que com o próprio corpo.

    É fácil identificá-los. Há os Frankensteins que andam com o telefone prensado entre o ombro e a orelha para ter as mãos livres; os corcundas com seu pescoço esticado; os tagarelas que parecem falar sozinhos e estranham quando alguém responde; e os desconfiados que operam suas maquininhas por debaixo da mesa, entre tantos.

    Suas atividades variam. Jogadores compulsivos buscam recordes na mesa do jantar; ansiosos dão olhadelas furtivas para saber se o time ganhou ou se vai chover amanhã; chorões destilam suas múltiplas frustrações em uma constante lengalenga; cinegrafistas usam flashes para registrar shows; repórteres de mídias sociais comentam tudo o que veem; e fotógrafos de tablet parecem prestes a dar uma pranchetada na cara do próximo.

    Eles não são desatentos. O que acontece é uma certa equalização da atenção, em que acontecimentos distantes são amplificados enquanto o que está na frente se emudece.

    Em comum, todos acreditam não haver nada de errado com eles. Ao se julgarem capazes de fazer várias coisas ao mesmo tempo, se irritam com a implicância dos outros enquanto checam o Facebook ou enviam mensagens de texto no meio de conversas.

    "Pode falar, estou ouvindo", dizem, aparentemente despreocupados com o desconforto de seus interlocutores. Não percebem que sua atitude transmite uma sensação de impaciência e tédio, como se nada fosse interessante o suficiente para interessá-los.

    Canivetes suíços da vida moderna, com seus jogos, músicas, vídeos, mídias sociais, mensagens de texto e apps para tudo, smartphones criam um ambiente de estimulação contínua, tão atraente que gera em seus usuários uma vontade enorme de usá-los o tempo todo.

    Sem o aparelho muitos se sentem perdidos, isolados do mundo, menos confiantes, sós. Por mais que a tecnologia seja social, seu uso excessivo desconecta o indivíduo do cotidiano.

    Desde os primeiros Blackberries –apelidados de Crackberries pela dependência que pareciam criar, smartphones e tablets parecem ter eliminado o tédio de uma vez. Isso não é necessariamente uma boa notícia.

    O cérebro humano precisa de um tempo desestruturado para que os pensamentos desconexos possam se agrupar, eliminar tensões e gerar boas ideias. É estressante viver em um ambiente que cada momento se transforma em uma oportunidade de interação.

    Ao preencherem praticamente todos os instantes anteriormente ociosos, eles eliminam períodos de auto-conscientização, meditação, reflexão, ou simplesmente de desligamento que, mesmo quando involuntários, são extremamente saudáveis.

    A meditação, em suas variadas formas, sempre promoveu a serenidade e auto-consciência através da conscientização do que está acontecendo agora, sem a preocupação com acontecimentos que estejam fora do alcance. Raramente uma recomendação milenar foi mais contemporânea.

    luli radfahrer

    Escreveu até abril de 2016

    É professor-doutor de Comunicação Digital da ECA da USP. Trabalha com internet desde 1994. Hoje é consultor em inovação digital.

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