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    Luli Radfahrer

    Uma nova divisão de classes

    04/08/2014 02h00

    O acesso à rede está se tornando uma necessidade básica. A tecnologia que hoje está em computadores e dispositivos móveis logo estará em casas, escritórios e automóveis, modificando rapidamente a economia e cadeia de produção. Quem estiver fora delas terá dificuldade até em se candidatar a um emprego.

    Para tirar verdadeiro proveito das novas técnicas é preciso saber desmontá-las e manipulá-las, não adianta simplesmente consumi-las passivamente, sem se questionar como funcionam. Seu avô tinha medo que dessem choque. Seu pai, que dessem pau e perdessem o que não tinha sido salvo. Seu irmão não confia na nuvem. Cada nova tecnologia é uma ferramenta que tememos antes de aprender a manipular. A única saída para vencer esse medo, sabem muito bem as crianças, é brincar com elas, mesmo correndo o eventual risco de quebrá-las.

    A crescente complexidade das máquinas leva a uma nova divisão de classes baseada em conhecimento, separando especialistas de seu público ignorante que, por mais que tenha a ilusão de ter disponível o acesso a qualquer informação, sabe cada vez menos como fazê-lo.

    Um bom exemplo da nova elite que se forma está nas empresas de inteligência de mercado, bancos de investimentos e start-ups de tecnologia, em que programadores cada vez mais especializados se associam a cientistas e engenheiros para criar estruturas de complexidade gigantesca.

    O progresso tecnológico só se transforma em bem comum quando é continuamente monitorado e contextualizado, como se vê nas técnicas médicas e de infra-estrutura. Quando correm livres, novas descobertas acabam por reforçar e aumentar desigualdades preexistentes.

    No passado, a mudança tecnológica tinha como objetivo aumentar a capacidade física dos trabalhadores. À medida que a automação se torna capaz de realizar tarefas de nível cognitivo mais alto, de sistemas de atendimento telefônico automático a robôs capazes de construir carros e organizar estoques, as habilidades humanas se tornam tão obsoletas quanto a força de carga de um jegue.

    Ao redor do mundo, a parcela de renda destinada a trabalhadores manuais vem diminuindo, aumentando a desigualdade. Ao longo da história, essa divisão, por mais injusta ou concentrada que fosse, era um problema administrável. Uma fazenda ou indústria não funcionaria sem seus trabalhadores.

    Não mais. Na Revolução Industrial, as máquinas se limitavam a realizar tarefas físicas. Hoje os desafios são cognitivos. Trabalhos burocráticos, entre eles o de gerentes, diretores e CEOs, deverão estar entre os próximos a serem substituídos pela inteligência de máquina.

    Não é algo que deverá acontecer de uma hora para a outra, mas a sua chegada parece inquestionável. Os Luditas, trabalhadores têxteis que, revoltados com a perda de seus empregos, partiram para a destruição das máquinas, não eram malucos. Só estavam dois séculos à frente do seu tempo.

    Em um mundo que Capital e Trabalho se tornam grandezas desproporcionais, quem controla os robôs domina o mundo. Não demorará para que pequenos implantes cerebrais amplifiquem a memória e capacidade intelectual de quem puder pagar, mudando completamente a forma com que se aprende e a complexidade dos discursos - e criando uma divisão de castas intelectuais praticamente intransponível.

    Uma das teorias científicas mais discutidas e menos lidas, a "Origem das Espécies" de Charles Darwin não trata de evolução, mas de adaptação. Na grande selva, quem vence não é o mais forte nem o mais evoluído, mas o mais adaptado.

    O sensacional "Capital no século 21", de Thomas Piketty, mostra com brilhantismo que, se não houver intervenção, a desigualdade só tende a aumentar. Ela se manifestará tanto no capital financeiro quanto no intelectual e tecnológico. Hoje praticamente não é possível criar uma start-up sem financiamento. E os "anjos" que as financiam são sempre os mesmos.

    luli radfahrer

    Escreveu até abril de 2016

    É professor-doutor de Comunicação Digital da ECA da USP. Trabalha com internet desde 1994. Hoje é consultor em inovação digital.

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