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    Luli Radfahrer

    Transparência, para os outros

    11/08/2014 02h30

    Todos defendem a transparência. Em tempos digitais, ela é unanimidade. E deve ser implementada no maior número possível de políticas, práticas e processos.

    A mídia é fã ardorosa da transparência, não perde uma chance de usá-la para auditar os centros de autoridade e denunciar tudo que esteja fora da ordem.

    Qualquer empresa moderna prega a transparência corporativa, rejeitando a politicagem e o favorecimento de pessoas por qualquer competência que não seja estritamente mensurável.

    Ferramenta essencial de qualquer democracia contemporânea, a transparência é fundamental para a cidadania. Quanto mais transparente, mais fácil será para a sociedade entender os gastos públicos e fiscalizar a honestidade e a eficácia do governante.

    Os governos a defendem nos acordos comerciais, ao lutar contra políticas e regulamentações arbitrárias ou obscuras, como determinadas restrições sanitárias com agendas protecionistas.

    Mas transparência, para os outros, é refresco. Quem tem algo a esconder apela para tudo a que tem direito: privacidade, esquecimento, inciso 10 do Artigo 5º da Constituição, segredo industrial, molho especial, estratégia de mercado, competitividade ou qualquer termo impreciso que esteja na moda.

    Substantivo, feminino e singular, a transparência é sinal de má notícia para quem é seu objeto direto.

    A mesma mídia que se apressa em apelar para a liberdade de imprensa quando critica suas vítimas, parece esquecer dela quando o assunto é a fundamentação e documentação de argumentos, bem como de suas aplicações ideológicas quando produz e usa informações para desviar a atenção de temas importantes, mudar ou confundir o significado dos acontecimentos ou transformar questões públicas em entretenimento.

    Em diversas empresas, as relações públicas não passam de estratégias para controlar os danos e restringir seu acesso, ainda mais nessa época de administração da reputação, já que, com o Google, não se pode mais controlar o discurso.

    Até mesmo o Google já teve resultados mais transparentes. O algoritmo de seleção dos links apresentados é cada vez mais obscuro, funcionando sob o critério de que todo mundo quer saber mais a respeito do lugar em que está e do que os amigos pensam.

    Governos, mesmo democráticos, resistem a tornar transparente seu processo de tomada de decisões. Nas universidades, a transparência termina quando começam a ser avaliados a produtividade de cada professor e o desempenho de cada aluno, funcionário ou gestor. A crise das universidades públicas é uma crise de transparência administrativa, em que déspotas esclarecidos defendem o Ancien Régime nas reitorias e secretarias.

    Seja em um vestido rendado, uma blusa de seda ou um véu de gaze, a moda é uma bela metáfora da sociedade quando propõe peças que embora transparentes, não mostrem muito. Ou que sejam transparentes nos detalhes menos significativos. Transparência, sabem os militares e as águas-vivas, pode ser uma excelente camuflagem.

    De qualquer forma, a transparência é uma força inevitável. A cultura do século 21 faz com que a ideia de segredos e restrições ao fluxo de informações seja coisa do passado. É bom aprender a conviver com ela.

    Um dos maiores formadores de opinião global defende que, com o tempo, maior transparência pode levar a uma sociedade mais tolerante, em que todos deixem a hipocrisia de lado e aceitem que ninguém é perfeito, e que todos fazem bobagens de vez em quando. Slavoj Zizek? Zygmunt Bauman? Não, Mark Zuckerberg.

    luli radfahrer

    Escreveu até abril de 2016

    É professor-doutor de Comunicação Digital da ECA da USP. Trabalha com internet desde 1994. Hoje é consultor em inovação digital.

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