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    Luli Radfahrer

    Informação não é tudo

    20/10/2014 02h00

    A Tecnologia de Informação está por toda parte. Setores tão diversos quanto Medicina e Finanças, que até há pouco tempo viviam sem computadores, hoje sofreriam um colapso se as ferramentas eletrônicas parassem de funcionar.

    As máquinas, que até o final do século passado não passavam de assistentes limitados, restritos à execução de tarefas repetitivas, hoje determinam estratégias. Poucos duvidam que logo serão capazes de tomar decisões cada vez mais complexas, baseadas em dados precisos.

    Boa parte dos avanços é resultado de uma área científica pouco conhecida: a Teoria da Informação. Misto de Computação, Matemática, Engenharia e Física, ela se preocupa em quantificar dados e buscar padrões de compressão e processamento de sinais. Aplicada a Criptografia, Computação Quântica, detecção de plágio e comunicação com espaçonaves, ela parece coisa de ficção científica.

    No entanto é bastante cotidiana, presente nos documentos comprimidos para formatos ZIP, MP3 e JPEG, no armazenamento de informação em bancos de memória e discos rígidos e na transmissão, via redes, de boa parte das comunicações modernas.

    Seu princípio fundamental é reduzir informação a uma coleção de unidades discretas - o dígito binário, abreviado para "bit", de "BInary digiT". Para a teoria, o que importa é a qualidade da reprodução, não seu valor ou propósito. Segundo seu inventor, o matemático Claude Shannon, qualquer interpretação era "subjetiva e irrelevante para a engenharia". A maioria dos computadores foi modelada para atender às demandas dessa teoria.

    Nos anos 1950, época em que foi proposta, pensar em interpretações era um passo grande demais. Apesar de chamados de "cérebros eletrônicos", computadores da época não passavam de calculadoras e fichários metidos a besta.

    Hoje a situação mudou. À medida que as máquinas se tornam responsáveis por um número cada vez maior de decisões cotidianas, as perguntas se tornam complexas demais para serem respondidas por uma sequência de escolhas entre o "não" e o "sim", entre o zero e o um.

    Mesmo assim, um número crescente de cientistas acredita que o livre-arbítrio é uma ilusão. Há quem sugira que a Informação é o componente fundamental do universo, mais essencial do que Matéria ou Energia. Do código genético e sinapses às órbitas dos elétrons, cada estado e cada mudança poderia se representar por informação. O Universo conhecido poderia ser descrito em informação, portanto seria equivalente a um computador monumental.

    Para a "Física Digital", Buracos Negros não seriam ruins por engolir matéria e energia, mas por acabar com a informação. Ideias quase lisérgicas como o Princípio Holográfico sustentam que a realidade conhecida seria, na verdade, a projeção de uma estrutura de informação, "pintada" no horizonte de um super buraco negro.

    A proposta de calcular o Universo não é novidade. Dos filósofos Atomistas gregos a Isaac Newton, passando por praticamente todas as religiões ocidentais, o mundo sempre se desesperou com a ideia de ser vítima do acaso, de não fazer parte de um plano maior. Pouco importa que a realidade insista em provar o contrário.

    Toda a informação é física, presente nos objetos e processos. Mas isso não significa que todas as coisas podem se reduzir a informação. A própria ideia de informação perde o sentido na ausência de contexto. Sem pessoas capazes de interpretar seu conteúdo, um livro é tão útil quanto uma pedra.

    No conto "A Biblioteca de Babel", Jorge Luis Borges descreve uma estrutura mítica infinita, capaz de conter todos os livros, em todos os idiomas, todos os comentários a respeito de cada obra e todos os comentários a respeito de cada comentário. Em suas estantes, todas as versões da História estariam acompanhadas de todas as falsificações. Mesmo completa, a biblioteca não seria capaz de gerar conhecimento, por não ser capaz de interpretar o que estava registrado. Parece a Internet? Imagina.

    Objetos podem até existir mesmo que não haja ninguém para interpretá-los. Mas até hoje não se descobriu nada capaz de interpretar a informação sem matéria. É difícil acreditar que deus não existe.

    luli radfahrer

    Escreveu até abril de 2016

    É professor-doutor de Comunicação Digital da ECA da USP. Trabalha com internet desde 1994. Hoje é consultor em inovação digital.

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