• Colunistas

    Friday, 17-May-2024 07:49:51 -03
    Luli Radfahrer

    Tempo não é dinheiro

    03/02/2015 10h20

    Antes fosse. Eu provavelmente compraria uns dias. Ou pouparia em fevereiro para gastar em outubro.

    Passamos os dias em busca do tempo perdido. Esse recurso finito e não-renovável, fugidio e intangível, só é visível quando passa e só é valorizado quando já se foi. É raro quem reclame, ou mesmo se dê conta, de ter muito tempo disponível. Pelo contrário, a maioria das pessoas reclama de como ele voa, se perguntando para onde ele foi.

    A vida contemporânea parece ser marcada por uma pressa constante. Todos correm o tempo todo, empilham coisas a fazer, saem no último minuto e se atrasam para todos os compromissos. Movidos a cafeína e energéticos, todos parecem falar e pensar demasiadamente rápido, tomando cada vez mais decisões por impulso. Nas ruas, carros e pedestres andam acima do que seria uma velocidade civilizada, descontrolados, vidrados em seus telefones. Impacientes, é comum vê-los bufar e resmungar com quem deu o azar de estar na frente.

    Refeições são um capítulo à parte. Funcionais, precisam ser consumidas rapidamente. Mais válidas pelo valor calórico e potencial gourmet do que pelo sabor, são devoradas na mesa de trabalho, com os olhos na caixa de entrada de e-mail. Quando consumidas em restaurantes, costumam ser aproveitadas como oportunidades de negócios. Novamente o sabor fica em segundo lugar, perdendo dessa vez para a conta - e para quem a pagará.

    Já se foi a época em que os ricos desejavam o ócio. Os fundamentalistas contemporâneos da Ética Protestante cultuam o negócio. Todos parecem competir o tempo todo para mostrar quem está mais ocupado. Terá mais respeito entre seus pares quem tiver a agenda mais insana, fazendo dezenas de coisas ao mesmo tempo, frenético como um beija-flor. Relaxar é impossível. Dormir, um fardo.
    Boa parte da atividade econômica contemporânea é baseada em serviços, e estes não costumam ter bons parâmetros para medir a eficiência. O resultado é que, para quem o tempo vale alguma coisa, trabalhar muito acaba se tornando sinal de lealdade e produtividade, mesmo que demonstrem o contrário.

    A multiplicidade de opções e conteúdos oferecida pela Internet amplificou o que psicólogos chamam de "Paradoxo da Escolha": quanto mais opções houver, mais difícil será escolher, já que cada escolha implicará na recusa das outras. O resultado é uma tentativa fútil de agarrar-se a tudo o que estiver disponível, visível no número de abas, bookmarks e conversas iniciadas nas redes sociais.

    O Capitalismo Digital se alimenta da velocidade das máquinas. Para seus barões, é confortável demandar de seus usuários que sejam cada vez mais velozes, furiosos e instantâneos, pouco importam suas demandas corporais. A distorção é tamanha que muitos chamam a esse imediatismo de "tempo real".

    Até as crianças, que até há pouco eram exemplos de uma relação serena e despreocupada com as artificialidades do relógio, estão cada vez mais apressadas. Estragadas por seus pais e pelas mídias sociais, que colocam todos em grande competitividade, todos correm para evitar o risco de um futuro incerto.

    A falta de tempo é tanto um problema de distribuição quanto de percepção. Está menos relacionado à quantidade real de tempo disponível do que à forma com que ela é encarada.

    É normal, de vez em quando, sentir-se pressionado e apressado para realizar tarefas e respeitar compromissos. Ignorar tal fato é irresponsabilidade. Mas quando essa pressa e desorientação se tornam corriqueiras, é sinal de que algo está errado.

    Antes que você tenha um treco ou cause um acidente, é importante desapegar um pouco e retomar o controle da sua vida. É você, e não o ambiente que você frequenta, que, em última instância, se responsabilizará por ela.

    luli radfahrer

    Escreveu até abril de 2016

    É professor-doutor de Comunicação Digital da ECA da USP. Trabalha com internet desde 1994. Hoje é consultor em inovação digital.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024