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    Luli Radfahrer

    Computa, computador...

    25/08/2015 02h00

    Nesse mundo cada vez mais computadorizado é importante analisar a importância do computador. O que ele faz? De verdade?

    Até a década de 70 essas máquinas faziam jus ao nome que tinham, pois executavam cálculos em série a grandes velocidades. Sua estrutura mecanicista não permitia dúvidas: ele era uma gigantesca máquina de
    calcular, um mosaico de pequenas engrenagens encadeadas que, mesmo substituídas por processadores, tinham operação bastante simples. Não importava o seu tamanho ou complexidade, o computador sempre poderia ser desmontado e analisado de fora para dentro.

    Apesar da figura mítica do "Cérebro Eletrônico" ameaçar a dominação global nos filmes de ficção científica dos anos 1950, computadores não eram capazes de assustar quem tivesse um pequeno conhecimento técnico. As máquinas que colocaram o homem na lua e que dividiram o átomo ainda eram grandes máquinas de calcular. Por mais poderosas que fossem na realização das tarefas repetitivas para que foram desenhadas (desde
    aquela época elas já eram mais poderosas do que o ser humano), sua lógica era conceitualmente simples.

    Hoje, como pode constatar qualquer pessoa que já brigou com uma impressora recalcitrante, a situação é diferente. Os computadores, como seus ancestrais de 30 ou 40 anos atrás, continuam a computar, porém seus cálculos são tão complexos e interligados que já não podem mais ser identificados individualmente. Qualquer equipamento caseiro é capaz de realizar bilhões de operações aritméticas por segundo, uma
    quantia que, mesmo se fosse passível de identificação, não faria o menor sentido lógico.

    O progresso sem precedentes da tecnologia mudou o perfil dos computadores. À medida que seu poder de processamento cresceu exponencialmente, aumentou sua capacidade de manipulação simbólica, permitindo a construção de processos complexos demais para serem identificados por quem os veja em funcionamento.

    Para saber a hora, por exemplo, um algoritmo antigo precisava conhecer a capacidade de processamento do computador em que funcionava para, a partir de sua velocidade de operação, ser capaz de calcular o tempo
    passado. Uma vez pronto, bastava "acertar" o relógio que o programa funcionaria com poucas falhas.

    Hoje é diferente: uma simples linha de código é capaz de consultar um relógio atômico na Suíça. Um pequeno aplicativo pode sincronizar horários de frotas de centenas ou milhares de veículos. E satélites usam a relatividade de Einstein para calcular variações de tempo derivadas de sua grande velocidade na Estratosfera em nanossegundos.

    O ganho de produtividade trouxe com ele uma natural complexidade. Fórmulas matemáticas, códigos e estruturas lineares aos poucos foram substituídos por sistemas simbólicos, permitindo a realização de operações de complexidade crescente.

    Em um paralelo simples, a "linguagem" de cachorros, primatas e golfinhos, por mais que seja composta de alguns verbos e substantivos, não permite a construção de estruturas hipotéticas ou filosóficas, essenciais para o raciocínio social humano. Ao lançar mão de recursos simbólicos, o computador permitiu a construção de sentenças de complexidade igual ou maior do que a humana que, apesar de (ainda) não serem capazes de raciocinar por conta própria, transformam o instrumento em algo muito maior e mais complexo do que uma simples ferramenta.

    Com o tempo, a imagem do computador como uma grande calculadora se tornou pitoresca e datada. Os conceitos relacionados à computação não se referem mais a cálculo e regras, mas a instruções de simulação e
    interação. Da mesma forma que o ser humano realiza uma série de considerações para a execução de movimentos em tarefas do cotidiano sem dar a menor atenção a elas, os cálculos cibernéticos se tornam
    secundários na definição de sua natureza.

    O computador os utiliza para a construção de tarefas mais complexas, indivisíveis por seu usuário em operações matemáticas. A maior evolução que as tecnologias digitais promovem hoje não está mais nos meios de produção, mas nas interconexões entre bases de dados.

    À medida que aumenta o contato entre o ser humano e os aparatos tecnológicos, a distinção entre o que é característica específica de cada uma das partes se torna mais complexa, a ponto de ser, em muitos casos, indissociável. A relação homem-máquina, em especial com máquinas de informação automática (informática) é cada vez mais simbiótica, o que dilui a fronteira entre a natureza e o artifício, o manufaturado e o sintético, o vivenciado e o simulado, o verdadeiro e o imaginário. Se isso é fascinante ou temerário depende muito do que se pede delas.

    luli radfahrer

    Escreveu até abril de 2016

    É professor-doutor de Comunicação Digital da ECA da USP. Trabalha com internet desde 1994. Hoje é consultor em inovação digital.

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