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    Luli Radfahrer

    A crise de todas as idades

    13/10/2015 02h07

    Antigamente a prerrogativa era masculina. Às mulheres, como sempre, sobrava o argumento dos hormônios. Pouco importasse o gênero, a crise só poderia ocorrer na meia-idade, por mais que na época não se cogitasse viver um século.

    Proposta em 1965, a ideia de crise aos 50 costumava descrever o momento esclarecedor (e deprimente) em que o indivíduo tomava consciência de sua mortalidade e percebia que já tinha passado da metade de seu tempo de existência.

    Vinte anos depois, a meia-idade é mais complicada. Homens podem usar Viagra e ter mais cabelos brancos do que pretos, e mulheres podem sofrer ondas de calor, mas não é difícil encontrá-los em restaurantes e bares como se tivessem a idade de seus filhos.

    Ao mesmo tempo, a pressão para que os jovens "façam sucesso" cada vez mais cedo leva muitos a entrarem em crise mais rápido do que as gerações que os antecederam. O resultado é um conflito de valores e direções que hoje atinge todas as idades. Sua vítimas não costumam ser capazes de identificar suas origens nem os fatos que as desencadearam. Seu comportamento, no entanto, é bem parecido com o dos velhos em crise. Por mais maduros que se sintam, muitos se lançam em aventuras para "viver o momento" da forma mais radical possível.

    Entre eles não há uma clara definição de rumo, mas a vontade de mudança é clara. É preciso mudar o estilo de vida, a aparência, reavaliar as relações afetivas e os objetivos de vida. As coisas que sempre foram desejadas precisam ser conquistadas o quanto antes, e o momento ideal parece ser agora.

    Hoje, em qualquer idade entre 25 e 55, muita gente se sente entediada, sem validade, sem significado e com um sentimento terrível de que o relógio continua a correr em direção ao final. Como Shirley Valentine ou Elizabeth Gilbert, muitos querem deixar carreiras, relacionamentos e vidas em nome de algo que não são capazes de definir, e que talvez encontrem em uma viagem pelo mundo.

    A década dos 30 costuma ser a que concentra a maior carga de ansiedade. A transição de uma (suposta) juventude leve e despreocupada para um ambiente mais "adulto" pode quebrar até os mais confiantes. A sensação repentina de falta de rumo e insegurança com relação à carreira e aos relacionamentos faz com que jovens que estejam na fase que Jung chama de "a tarde da vida" sintam uma inesperada angústia e dúvida com relação ao porvir.

    Os 30, que até há pouco simbolizavam o início da vida adulta, foram transformados em uma espécie de linha de chegada, como se todos morressem aos 40. Ao se darem conta do pouco que fizeram com relação ao que imaginavam, muitos se questionam se esse será o seu destino final. E se sentem velhos e novos ao mesmo tempo.

    Boa parte dessa insatisfação vem da falsa ideia de que é preciso ter tudo "resolvido" em uma determinada idade, angústia complicada pela comparação com os personagens expostos no Facebook, que parecem viver uma vida típica de comercial de margarina.

    Enquanto a crise da meia-idade costuma rever a vida com um leve arrependimento, a crise dos mais novos está relacionada ao propósito. Não se procura ter uma Ferrari ou um namorado décadas mais novo, mas viver uma vida mais simples, aprender a tocar um instrumento, fazer uma tatuagem, praticar algum esporte radical e, acima de tudo, fazer do mundo um lugar melhor. Acima de tudo, muitos querem sair de onde estão em busca de significado, mesmo que não tenham a menor consciência de para onde querem ir.

    A crise é normal. Nenhuma personalidade biografada em seu sucesso foi transportada magicamente de uma vida medíocre para o estrelato. Se bem interpretada, boa parte da situação está mais para transição do que para uma crise, uma época em que se abandonam as ideias descabidas de como sua vida pode ser instantaneamente fantástica para uma visão mais pragmática do mundo.

    O tempo corre em linha reta e nunca mais seremos jovens, inocentes e sonhadores novamente. Por isso é preciso desenvolver uma nova percepção da fragilidade e inconstância da vida. A melhor forma de fazê-lo é abandonar o comportamento masoquista e se divertir mais. Acreditar mais no futuro, deixar de ser tão duro consigo mesmo, parar de idealizar o passado e o futuro e passar a viver no presente.

    Acima de tudo, é preciso parar de se permitir ser caótico e pensar demais a respeito de tudo, enquanto se começa a fazer as coisas que realmente alegram. Como fazem seus pais e avós, deixar indecisão, nostalgia e desilusão para trás e viver a vida que vale a pena ser vivida. Pra que esperar até os 70 para descobrir algo que poderia ter sido descoberto aos 15?

    luli radfahrer

    Escreveu até abril de 2016

    É professor-doutor de Comunicação Digital da ECA da USP. Trabalha com internet desde 1994. Hoje é consultor em inovação digital.

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