• Colunistas

    Friday, 03-May-2024 13:54:53 -03
    Luli Radfahrer

    Olá, preciso ir

    19/04/2016 02h00

    A frase do título desta coluna ("Hello, I must be going") virou uma espécie de bordão do Groucho Marx, um dos artistas mais brilhantes do século passado. Ela foi cantada pela primeira vez no filme "Os Galhofeiros" ("Animal Crackers", 1930) quando Groucho, convidado de honra em uma festa, mal chega e avisa que terá que ir embora. Foi a melhor expressão que eu encontrei para me despedir desta coluna.

    Sim, estou de saída. Parece que mal cheguei, mas foram-se mais de 300 colunas em seis anos e meio. O tema geral sempre foi a inovação e a influência das tecnologias digitais na vida social contemporânea. Cada coluna procurava simplificar temas cabeludos como exploração do trabalho, discurso de ódio, educação, estética, dependência de velocidade, guerra, teimosia, inteligência artificial, tecnopólio, conflitos de gerações, acúmulo, saúde, hábitos de leitura, política etc., sempre no contexto digital. Usei, sempre que possível, termos comuns, buscando estimular a reflexão a respeito de uma tecnologia onipresente, onisciente e onipotente. A liberdade para desenvolver temas era tanta que cheguei até a fazer manifestos, veja só.

    Quando assumi a coluna, a convite do grande Sérgio Dávila, confesso que a insegurança não era pequena. "Grande vitrina", diziam alguns. "Grande vidraça", pensava eu. A responsabilidade de escrever para o maior jornal do país era (e continua sendo) enorme. Mas eu tenho 1,62m. E se tem uma coisa que baixinho gosta é de desafio.

    Da mesma forma que as aulas da ECA-USP (Escola de Comunicações e Artes), que assumi quando ainda era muito jovem, a inexperiência com o jornalismo serviu de estímulo para pesquisar ainda mais. A intenção era a de fazer de cada coluna um pequeno estudo quase acadêmico. A forma e a estrutura seriam as de uma redação opinativa, mas o texto buscaria estar mais para uma pesquisa do que para aquela velha opinião formada sobre tudo.

    Até porque este é o domínio do Facebook.

    Demorou para eu conseguir chegar a esse formato. Agradeço ao meu primeiro editor, Leonardo Cruz, pela paciência e pela dedicação. O resultado tornou-se uma espécie de método de divulgação científica. Um texto de jornal é mais efêmero do que uma publicação acadêmica, mas o seu alcance é incomparável. Como o tripé que sustenta a universidade é composto por ensino, pesquisa e extensão, optei por sacrificar por um tempo a segunda perna em nome da terceira.

    Para conseguir um bom resultado, a pesquisa não era pequena: cada coluna demandava mais de 10 fontes e cerca de 150 páginas de material de referência. O resultado, em boa parte das vezes, foi satisfatório. A resposta de vocês, tanto online quanto ao vivo, nas aulas e corredores, era gratificante. Tanto que, por todo esse tempo, nunca passou pela minha cabeça a ideia de tirar férias.

    A pesquisa científica, no entanto, não poderia parar. Ao longo do ano passado, terminei a minha livre-docência e aproveitei o espaço desta coluna para explorar a aceitação de algumas de suas ideias. Defendida a tese, havia chegado a hora de mover adiante. Novas pesquisas demandam um esforço maior, e não havia mais tempo. Tenho visto muitos intelectuais de respeito se renderem às tentações do mercado, mas a ideia de abandonar a pesquisa, em um país que tanto precisa dela, é muito egoísta para ser levada a sério.

    Pensei em reduzir a periodicidade da coluna para publicações quinzenais, mas isso não resolveria o problema. Tinha chegado a hora de parar. Em conversas com o pessoal da Folha, optamos por uma "separação de conveniência". Como um casal que se curte muito mas precisa viver em realidades diferentes, cada um segue, por enquanto, seu próprio caminho. Um dia a gente pode voltar; vontade não falta.

    Minhas colunas continuarão disponíveis no site da Folha. Depois de merecidas férias e de colocar as coisas em ordem, devo reativar o blog luli.com.br, onde publicarei alguns dos textos daqui e de outras revistas de que participei, além de algumas coisas novas que eu vier a descobrir. Vou tirar um período sabático de mídias sociais. Responderei ao e-mail luli@luli.com.br, já que o da Folha devo desativar.

    Agradeço muito a você, que me acompanhou por tanto tempo e que me ajudou a espalhar um pouco de consciência e bom senso digital em um país que tanto precisa de reflexão e consideração. Agradeço também ao Rafael Capanema, à Camila Marques, ao Bruno Scatena e ao Felipe Maia, que me ajudaram a refinar minhas ideias e a compreender um pouco melhor esse mundo fascinante do jornalismo.

    Em uma tradução capenga, encerro a minha participação com a mesma música do Groucho: "Me alegro por vir / mas mesmo assim / preciso ir / Ficaria mais uma semana ou duas / passaria o verão por aqui / mas como eu já disse / preciso ir".

    Obrigado por tudo e desculpe qualquer coisa.

    luli radfahrer

    Escreveu até abril de 2016

    É professor-doutor de Comunicação Digital da ECA da USP. Trabalha com internet desde 1994. Hoje é consultor em inovação digital.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024