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    Manuel da Costa Pinto

    Romance de María Dueñas enfoca expatriados espanhóis na Califórnia

    10/03/2013 03h00

    O termo "best-seller" nunca foi um conceito literário, mas serviu enquanto esteve associado a enredos melosos e autocomplacentes ou à autoajuda com tempero esotérico. Vieram então Umberto Eco, com seus geniais pastiches estilísticos, e seguidores como Patrick Süskind ("O Perfume"), em que erudiçãofilosófica e consciência de linguagem estão a serviço do entretenimento, sem pretensões de mudar o curso da literatura.

    A partir daí, ficou difícil descartar um livro apenas porque entretém e se tornou fenômeno comercial. É nesse lugar movediço que se situa a prosa de María Dueñas. Depois da estreia tardia e do retumbante sucesso, com "O Tempo Entre Costuras", a espanhola especializada em filologia inglesa veio ao Brasil na semana passada para lançar seu segundo romance, "A Melhor História Está por Vir".

    Iván Franco/Efe
    A autora espanhola especializada em filologia inglesa María Dueñas, que lança o livro "A Melhor História Está por Vir"
    A autora espanhola especializada em filologia inglesa María Dueñas, que lança o livro "A Melhor História Está por Vir"

    Como no primeiro, temos um "plot" típico dos romances sentimentais: uma mulher que sofre desilusão amorosa e parte numa viagem de reconstrução subjetiva. A partir desse dado inicial, porém, a ficção vai cedendo terreno a um entrecho histórico que tem como pano de fundo a Espanha do pós-guerra e contemporânea, articulando dois subtemas: o enredo ambientado no microcosmo universitário (como ocorre em romances de David Lodge,J.M. Coetzee e Philip Roth) e o arquivohistórico que encerra segredos que ecoam no presente.

    Após uma separação, a protagonista Blanca Perea vai para a Califórnia organizar o acervo de documentos deixados por um professor espanhol que abandonara seu país durante o franquismo. O motivo dos expatriados espanhóis se conjuga com o dos missionários jesuítas (o título original do romance é "Misión Olvido") e, sobretudo, com exílios presentes -mais simbólicos, porém não menos traumáticos.

    A familiaridade de Dueñas com o discurso teórico faz com que as eruditas referências à literatura espanhola soem organicamente, mas o grande mérito desse romance está em dar personalidade e voz própria a outras personagens.

    É o caso de Daniel Carter, que no passado da narrativa fez percurso especular ao da protagonista e agora, no tempo presente, estabelece liames oblíquos com ela, indicando que, sob esta fábula de reinvenção pessoal, está uma trama de reparação ética que vai muito além de qualquer fórmula --mesmo que só pretenda (e consiga) produzir uma narrativa cativante.

    LIVRO
    A MELHOR HISTÓRIA ESTÁ POR VIR***
    AUTORA: María Dueñas
    TRADUÇÃO: Sandra Martha Dolinsky
    EDITORA: Planeta (2012, 352 págs., R$ 39,90)

    *

    LIVROS
    O TEMPO ENTRE COSTURAS***
    No romance que lançou a escritora espanhola, uma serena costureira se envolve em trama amorosa que a leva ao Marrocos e a enreda num ambiente de conspirações que remetem à Guerra Civil Espanhola e à Segunda Guerra.
    AUTORA: María Dueñas
    TRADUÇÃO: Sandra Martha Dolinsky
    EDITORA: Planeta (2010, 480 págs., R$ 39,90)

    OS POSSESSOS****
    A norte-americana de origem turca reconstitui com tom satírico seus tempos de estudante de literatura russa, numa versão mais debochada do filão do romance sobre mundo universitário.
    AUTOR: Elif Batuman
    TRADUÇÃO: Luis Reyes Gil
    EDITORA: LeYa (2012, 344 págs., R$ 44,90)

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    LIVRO
    EXPRESSIONISMO ABSTRATO****
    David Anfam, tradução de Marcelo Brandão Cipolla (WMF Martins Fontes, 246 págs., R$ 78)

    O crítico de arte analisa a tendência que, ao refletir as mudanças do pós-guerra, deslocou o epicentro das inovações estéticas da Europa para os EUA. Acompanha a formação da linguagem que une expressionismo e abstração nas obras de Pollock e Rothko, entre outros.

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    DISCO
    MARIA JOÃO PIRES - SCHUBERT: PIANO SONATAS****
    Maria João Pires (Deutsche Grammophon, R$ 36,40)

    Uma das maiores intérpretes do romântico Schubert, a pianista portuguesa registra as sonatas nº 16 e nº 21 com técnica que ilumina a textura camerística e a estrutura cíclica e dá às peças a mesma grandeza das sonatas de Beethoven.

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    FILME
    VIVA A ITÁLIA!***
    Roberto Rossellini (Versátil Home Video, R$ 44,90)

    Lançado em 1961, centenário da unificação italiana, retrata sem nacionalismo a marcha de Garibaldi. As negociações que o levaram a entregar o poder ao rei Vittorio Emanuele 2º se ligam a "Paisà", obra de Rossellini sobre a libertação da Itália na Segunda Guerra.

    Divulgação
    Cena do filme "Viva a Itália!", do diretor Roberto Rossellini, lançado em 1961, que retrata a marcha de Garibaldi
    Cena do filme "Viva a Itália!", do diretor Roberto Rossellini, lançado em 1961, que retrata a marcha de Garibaldi
    manuel da costa pinto

    É jornalista e mestre em teoria literária e literatura comparada pela USP. Escreve aos domingos, a cada duas semanas.

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